Como a greve dos roteiristas pode impulsionar doramas e reality shows?
A indústria do entretenimento americana está enfrentando uma grande crise. Dois sindicatos importantes do setor - o Writers Guild of America (WGA), que representa os roteiristas, e o SAG-AFTRA, que representa cerca de 160 mil atores e atrizes - entraram em greve nos últimos dois meses. Eles reivindicam vários direitos frente aos grandes estúdios e às plataformas de streaming, como aumentos nos salários, uma participação maior nos lucros das produções e garantias e proteções em relação ao uso de inteligência artificial no seu trabalho.
Contudo, segundo os especialistas, os gigantes do entretenimento já estariam pondo em prática planos que visam fazer a "máquina" continuar funcionando - ou seja, produzindo novos conteúdos para seus assinantes e espectadores. O que pode estar vindo por aí é um aumento na produção de séries coreanas (os conhecidos doramas) e uma nova onda de reality shows. Neste texto, explicamos por que isso pode acontecer.
O investimento da Netflix na Coreia do Sul
(Fonte: GettyImages)Fonte: GettyImages
Recentemente, a Netflix anunciou que irá investir cerca de US$ 2,5 bilhões em séries sul-coreanas - o dobro do que foi gasto desde 2016. Esta informação foi revelada pelo co-CEO da plataforma, Ted Sarandos, durante uma reunião com o presidente sul-coreano Yoon Suk Yeol. “Fomos capazes de tomar essa decisão porque temos muita confiança de que a indústria criativa coreana continuará a contar grandes histórias. Também fomos inspirados pelo amor do presidente e pelo forte apoio à indústria de entretenimento coreana e alimentando a onda coreana", afirmou Sarandos em entrevista ao portal Deadline.
A plataforma tem angariado muitos lucros desde o lançamento de alguns K-dramas. Round 6 e A Lição foram duas séries que conquistaram audiência internacional gigantesca. Round 6, por exemplo, levantou para a Netflix cerca de US$ 900 milhões de lucro, sendo que custou apenas um quarto disso.
O fato é que há uma onda sul-coreana no streaming. A própria Netflix estima que 60% de seus 230 milhões de assinantes assistiram em algum momentos a títulos vindos deste país. Por conta disso, o investimento em produções neste local parece ser um bom negócio. Mas há mais uma razão neste interesse: ela ajuda a driblar as greves dos sindicatos americanos.
Segundo reportagem do Los Angeles Times, uma das razões da busca da Netflix pelo chamado K-Content (conteúdo produzido na Coreia do Sul) é que os roteiristas e escritores de lá não estão em greve - ao menos até agora. Por isso, há uma pressa na criação de novos acordos, no intuito de garantir a produção caso isso ocorra.
Fontes anônimas entrevistadas pelo Los Angeles Times falaram que as práticas trabalhistas dentro deste setor na Coreia do Sul são exploradoras. Elas citam a existência de centenas de horas extras não pagas e pagamentos baixos e pontuais. Roteiristas, por exemplo, recebem apenas na entrega de seus trabalhos, e não ganham mais nada de acordo com o alto lucro das produções.
Há também um movimento do Korea Broadcasting Actors Union - o sindicato dos atores da Coreia do Sul - que busca uma negociação com a Netflix para que comece a pagar valores residuais aos talentos locais, algo que não acontece ainda por lá, diferente do que ocorre nos Estados Unidos.
A possível nova onda de reality shows
(Fonte: Wikimedia Commons)Fonte: Wikimedia Commons
Outra coisa que as greves do Writers Guild of America e do SAG-AFTRA podem desencadear é uma onda de novos reality shows. Esta constatação leva em conta outros momentos em que o sindicato dos roteiristas entrou em greve.
Em 1988, por exemplo, a paralisação fez com que a Fox criasse o reality show Cops, que acompanha policiais em seu trabalho, e que a MTV lançasse o The Real World. Vinte anos depois, a greve ocorrida entre 2007 e 2008 levou a elaboração de programas de sucesso, como Keeping Up with the Kardashians.
A explicação é relativamente fácil de entender. A greve dos roteiristas tende a diminuir a criação de episódios e até pode levar ao encerramento de séries. Isso fez com que algumas emissoras enchessem a grade com reprises, enquanto outras investiram em programação original não roteirizada, como os reality shows.
Durante a greve de 2007 a 2008, mais de 100 programas não-roteirizados foram estreados ou retomados, explorando temas diversos, como competições culinárias, namoro, ou simplesmente shows que mostram a vida diária de pessoas.
As emissoras investem nisso porque os reality shows são produtos mais flexíveis. Eles são mais baratos e suas estrelas não são tão bem pagas como as que participam de séries de ficção. O tempo de produção e estreia é mais curto, e as temporadas vão ao ar em pouco tempo. Por isso, esse tipo de programa pode ser também ser uma estratégia mais uma vez usada pelas plataformas de streaming para continuar entregando algo novo aos seus assinantes.
O que vai acontecer?
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Mas o tiro também pode sair pela culatra. Isto porque a indústria dos reality shows também pode ser pressionada a passar por mudanças em pouco tempo. Em relação às produções ficcionais, os reality shows pagam salários mais baixos, as horas de trabalho são mais longas e a exploração do elenco costuma ser maior. Estrelas como as de programas como Real Housewives já reclamam abertamente de ter que filmar mais de 10 meses por ano.
Lowell Peterson, que é diretor executivo da Writers Guild of America, East, declarou ao Los Angeles Times que o sindicato está ansioso para que haja logo um acordo com melhores condições de trabalho. Dentre as questões que envolvem o setor de roteiro, estão as longas horas de trabalho, as dificuldades para conseguir seguro-saúde e os problemas em relação à diversidade entre os autores.
O que acontecerá na indústria do entretenimento é algo que saberemos muito em breve. Mas, sem dúvida, as greves dos sindicatos têm estremecido as formas pelas quais este tipo de trabalho criativo tem sido explorado até aqui.
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