Black Mirror está cada vez pior devido a um grande motivo

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Criação do britânico Charlie Brooker, Black Mirror estreou, em 2011, com um grande objetivo: mostrar os perigos da relação crescente entre a sociedade e tecnologia. Falando ao jornal The Guardian na época, o roteirista comentou sobre um ponto de virada que o auxiliou a dar vida para a série premiada: conversar com a Siri pela primeira vez, para a assistente ajudá-lo a definir um alarme.

Corta para 2023: a sexta temporada de Black Mirror chega na Netflix, que adquiriu os direitos da série, trazendo alguns episódios que seguem a premissa original do show. No entanto, agora temos algumas novidades: em certos momentos da narrativa, até mesmo forças sobrenaturais aparecem nas histórias cheias de suspense e acidez. O próprio criador da obra já diz que, no fim das contas, a tecnologia já não é mais o foco da série, mas, sim, as pessoas. 

NetflixCena de Nosedive, episódio da terceira temporada de Black Mirror.

A mudança acabou rendendo críticas, algo que já aconteceu nas últimas temporadas de Black Mirror. A cada nova leva de episódios, parece que o furor do público pela produção diminui. Mas, afinal, por que isso está acontecendo? 

Por que a série está se desvirtuando de seu caminho inicial, que envolve bastante tecnologia, para perseguir novos métodos de criar histórias com pitadas de horror e humor? Acredito que existe um grande motivo para isso estar acontecendo: o mundo já está muito mais assustador que Black Mirror.

A realidade já é mais Black Mirror que Black Mirror

Segundo Charlie Brooker, a série Black Mirror foi criada, inicialmente, para atuar na área entre “o deleite e o desconforto”, criticando principalmente a relação com a tecnologia e mostrando, de forma satírica, como nosso comportamento foi moldado por essas mudanças. Nos últimos anos, no entanto, as coisas saíram um pouco do controle.

A pandemia aconteceu e, para muita gente, se tornou um grande ponto de virada quanto a tecnologia. As chamadas em vídeo se tornaram parte da rotina. O trabalho remoto é tão grande que rende discussões sobre o futuro dos escritórios. Os celulares, que já eram companheiros inseparáveis, tornaram-se ainda mais presentes e importantes no cotidiano — e agora podem ser substituídos por um headset. A inteligência artificial chegou com tudo e já está moldando o futuro das profissões.

Já podemos encontrar um episódio de Black Mirror em cada canto da internet.

Em 2011, Charlie Brooker definiu a série: “Cada episódio tem um elenco diferente, um cenário diferente, até uma realidade diferente. Mas eles são todos sobre a maneira como vivemos agora - e a maneira como poderemos viver em 10 minutos”. Na realidade que estamos agora, mais de uma década depois, esses 10 minutos estão cada vez mais curtos. Agora, já podemos encontrar um episódio de Black Mirror em cada canto da internet.

O caso do submarino

Em redes sociais como o Twitter, a cada dia vemos uma história que é praticamente um episódio inédito de Black Mirror. A situação criticada lá no primeiro episódio da série, em que pessoas seguem assistindo a uma situação repulsiva ou polêmica, é praticamente rotineira atualmente.

NetflixCena de Loch Henry, um dos episódios da sexta temporada de Black Mirror. 

Podemos pegar, por exemplo, o caso do submarino que desapareceu tentando visitar os destroços do Titanic. Por mais que a mente de Charlie Brooker seja bastante criativa, não seria fácil pensar em um roteiro tão mirabolante quanto um grupo de milionários se enlatando em um submersível improvisado, sem GPS e que é totalmente comandado por um controle de videogame.

Mais do que o próprio roteiro em si, é impossível a série simular, com maestria, os desdobramentos em tempo real de cada situação “Black Mirror” que vemos. O caso do submarino, por exemplo, é quase um seriado exibido em tempo real na internet, com milhares de espectadores: enquanto algumas pessoas estão surpresas com a situação, alguns transeuntes da internet fazem piadas com o caso, e outros condenam e criticam as brincadeiras envolvendo as vítimas.

Depois do furor das redes sociais, chegamos ao estágio “Loch Henry”: se a história repercutida for realmente mirabolante, basta esperar um tempo, pois um filme ou série sobre o caso será anunciado por algum serviço de streaming. Um documentário sobre o submarino, inclusive, já está em produção.

E quando a história esfriar, as atenções do público conectado já vão passar para outro caso distópico e estupidamente difícil de acreditar que é real. Duvida? Ainda nesta semana, dois bilionários, que são donos das principais redes sociais do mundo, se desafiaram para uma luta dentro de uma jaula.

No fim das contas, todos os elementos que Charlie Brooker critica em Black Mirror se tornaram parte da rotina do público que consome a série. 

A reinvenção de Black Mirror

Considerando os longos estágios de desenvolvimento de Black Mirror, é de se esperar que o seriado se desapegue cada vez mais das amarras da tecnologia. Afinal, não deve ser fácil tentar acompanhar as tendências do mundo caoticamente conectado que estamos vivendo.

Ao que parece, essa é a principal vontade de Charlie Brooker. O criador da série disse que resolveu se desafiar com o último episódio da série, Demon 79, voltando ao passado e contando uma história “Red Mirror”, que é mais voltada para o terror. 

Mesmo desagradando parte do público, a solução de expandir os horizontes da série pode ser uma boa saída a longo prazo. Afinal, o ponto que Black Mirror mais critica se tornou comum atualmente: o ser humano não para de surpreender, sempre de formas negativas.

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