Air: A História Por Trás do Logo inova em trama de superação (crítica)
De tempos em tempos, Hollywood lança algum filme com um forte discurso motivacional. Geralmente, a fórmula se repete: um azarão, em quem ninguém aposta nada, quebra todas as expectativas e realiza algum tipo de proeza incrível. É o que acontece, por exemplo, em sucessos como Erin Brockovich – Uma Mulher de Talento, de 2000, e Jerry Maguire: A Grande Virada, de 1996.
Mas por mais que esses filmes tenham uma estrutura semelhante, a verdade é que, quando bem feitos, eles sempre nos agradam. E vou além isso: há sempre uma possibilidade de inovar dentro do gênero “filme de superação”. O divertido Air: A História Por Trás do Logo, que está disponível no catálogo da Amazon Prime, é uma prova disso.
O filme (que é dirigido por Ben Affleck, que também participa como ator) leva ao público os bastidores de uma história real: como a Nike conseguiu convencer que um jogador de basquete que começava a destacar (ninguém menos que Michael Jordan) assinasse um contrato de patrocínio com a empresa ao invés de escolher as marcas concorrentes. A parceria deu início à linha Air Jordan, até hoje considerada um hit absoluto no mundo todo.
O filme se passa em 1984. À época, a Nike já lucrava no mercado esportivo, mas estava muito atrás de outras marcas mais fortes. A americana Converse patrocinava os maiores jogadores da NBA, e a alemã Adidas era conhecida pela qualidade e estilo. Ambas eram marcas cool, associadas aos jovens e, sobretudo, à cultura negra e das ruas.
Neste contexto, entra em cena Sonny Vaccaro (interpretado com muita competência por Matt Damon), um executivo do setor do marketing que foi contratado pela Nike. Ele faz parte da equipe do gerente Rob Strasser (Jason Bateman), que quer decidir onde investir a verba do setor separada para patrocinar astros do basquete americano.
A equipe pretende apostar em nomes menores, mas Vaccaro (representado como uma espécie de guru obcecado por basquete) quer jogar alto: ele propõe que tentem fechar com um atleta novato, de apenas 21 anos, que ainda é uma promessa e ainda nem chegou até a NBA. Mesmo assim, por seu extraordinário talento, as grandes marcas estão de olho nele e é bem provável que ele acerte com a Adidas.
Mas, obviamente, o desdobrar dessa história percorrerá caminhos imprevistos, tornando-o uma deliciosa saga ao estilo Davi versus Golias. E essas histórias só fazem sentido, claro, quando Davi consegue vencer no final.
Uma história tipicamente americana
Air: A História Por Trás do Logo parece ser bem daqueles filmes que são transmitidos durante eventos corporativos, no intuito de motivar equipes para ir atrás dos melhores resultados. Está tudo lá: os sonhos altos, as noites passadas no escritório, os executivos que só conseguem pensar em trabalho em detrimento da vida pessoal.
Contudo, a qualidade da obra se encontra nas demais sutilezas incluídas no roteiro de Alex Convery. Esta trama tem como pano de fundo o contexto americano nos anos 1980, em que a cultura yuppie, com seu culto ao dinheiro e ao sucesso, reinava absoluta. A reconstituição do clima dessa época é realizada de maneira inspirada pelo filme de Ben Affleck, carregando em sua estética um certo tom sarcástico para falar desse tempo.
A reconstituição dos anos 80 é realizada de maneira inspirada pelo filme de Ben Affleck.
Mas há outra discussão interessante tangenciada aqui, e que diz respeito à questão racial por trás destes dois contextos – o das grandes empresas milionárias, como a Nike, e o do basquete profissional. Em ambos os espaços, a tensão das desigualdades raciais permanece, muitas vezes, nas entrelinhas, mas são trazidas nos diálogos do filme sobretudo por conta de um personagem: o executivo Howard White, vivido pelo ator e comediante Chris Tucker (que fez fama pela série de filmes A Hora do Rush, ao lado de Jackie Chan).
Howard White é o único executivo negro naquele grupo de homens brancos, quase todos fora de forma. É a ele que Sonny Vaccaro recorre para tentar entender melhor o contexto em que Michael Jordan, como homem negro, vive, para entender por que os tênis de corrida da Nike não vingam — a resposta dele é algo como: negros não praticam corrida porque não querem serem parados pela polícia.
E caberá também a Howard White o papel de “azeitar” a relação dos executivos da Nike com a família de Michael Jordan, cujos pais atuam como guardiões incansáveis do futuro do filho. Ao se depararem com um “irmão” na reunião, as coisas se tornam mais suaves e Vaccaro pode brilhar (curiosidade: o verdadeiro Howard White é hoje vice-presidente da Jordan Brand).
Um filme de gigantes
(Fonte: Amazon Prime)Fonte: Amazon Prime
Se tudo funciona bem em Air, boa parte do resultado pode ser creditado à seleção de um elenco cheio de talentos. Ben Affleck dá vida a Phil Knight, CEO e cofundador da Nike, um sujeito excêntrico que mescla seu interesse pelo budismo e por Dalai Lama com um estilo ostentação típico dos milionários. Jason Bateman e Chris Messina (que vive o agente de Jordan, David Falk) também estão ótimos.
Mas vale guardar um lugar especial aqui para as duas estrelas do filme: Matt Damon, totalmente fora de forma para incorporar Sonny Vaccaro, e Viola Davis, que vive Deloris, a mãe de Michael Jordan, uma mulher sábia que protege como uma leoa os interesses do filho (mais uma informação curiosa: Jordan teria colocado como condição para aprovar o filme que Viola Davis interpretasse sua mãe).
Se tudo funciona bem em Air, boa parte do resultado pode ser creditado à seleção de um elenco cheio de talentos.
Finalizando este elenco estelar, estão também Chris Tucker, já citado, e Matthew Maher (que vive o lendário designer que projetou o tênis Air Jordan). Como uma orquestra, cada um dos atores tem um papel que se conecta ao outro, criando uma sinfonia precisa e musical, em que nada sobra na narrativa.
Por fim, Air: A História Por Trás do Logo também faz um comentário sobre a construção da indústria de celebridades e sobre o preço que se paga por participar deste que, supostamente, seria um mundo sonhado por todos. Michael Jordan (o ator que o interpreta nunca aparece de frente no filme – ele só aparece de verdade nas imagens do atleta real) simboliza, por toda essa história, não apenas a concretização terrena de um deus, mas também um mártir que, ao entrar nessa máquina, topa também ser trucidado em público em troca de seus milhões.
Ao não ignorar essa parte do mito, o filme de Ben Affleck dá um passo a mais em relação às narrativas de superação e nos entrega uma obra provocativa e até meio triste – e ainda assim muito divertida.
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