Daisy Jones & The Six fica aquém do livro, mas traz diversão (crítica)
A escritora Taylor Jenkins Reid parece ter um talento bem peculiar: ela cria literatura de celebridades que não existem, mas que são capazes de gerar fandoms muito reais. Foi assim com Os Sete Maridos de Evelyn Hugo, em 2017, sobre uma estrela do cinema que relembra seus tempos áureos e seus amores perdidos. Depois disso, ela lançou em 2019 Daisy Jones & The Six – Uma História de Amor e Música, que elabora uma narrativa a partir de uma banda fictícia constituída nos anos 1970 e permeada muito drama em torno de seus membros.
Daisy Jones & The Six, que é um hit literário, foi transformado em minissérie em 10 capítulos pela Amazon Prime e anunciado como uma das grandes atrações televisivas de 2023. O livro, vale dizer, é delicioso. Organizado sob forma de entrevistas ping-pong (um formato pouco explorado na literatura, mas que já deixava a obra praticamente pronta para ser adaptada para TV ou cinema), a obra conta a saga de amor, ódio e drogas da banda The Six, formada por amigos de infância de Pittsburg, e seu encontro com uma candidata a cantora: a errática Daisy Jones (vivida por Riley Keough, neta de Elvis Presley, informação que dá um tempero a mais à série).
A expectativa sobre a adaptação, portanto, era enorme. A julgar pelos episódios já lançados pelo Prime, há uma certa frustração em torno de Daisy Jones & The Six, que soa bem menos envolvente e excessivamente “higiênica” em relação ao livro. Explico: o charme de Daisy Jones & The Six não é apenas acompanhar a saga da ascensão da banda (o que, por si só, é fascinante), mas também mergulhar nos meandros e nos problemas particulares de um grupo cujas personalidades geram atritos frequentes entre eles.
O mote central da história está na relação entre Daisy e Billy Dunne (papel de Sam Clafin), o líder do The Six. Billy é centralizador e, de certa forma, tem um ego exacerbado que ofusca o o talento de seus parceiros musicais – seu irmão mais novo Graham e mais três músicos recrutados por eles. Por isso, quando Daisy entra em cena, de maneira quase acidental (ela é agregada ao grupo pelo empresário), o equilíbrio desse sistema precisa se reorganizar, já que agora há duas estrelas em potencial tendo que dividir os holofotes e se entender.
O resultado, claro, é briga e disputa, seja de maneira explícita ou simplesmente sob a forma de tensão que fica no ar. O enredo, portanto, é maravilhoso, e não por acaso o livro de Taylor Jenkins Reid fez tanto sucesso: todos nós, de uma forma ou outra, já nos imaginamos algum dia como deve ser rodar o mundo com uma banda de rock e cativar fãs do mundo inteiro.
Mas Daisy Jones & The Six é bem mais que isso. É também uma história de amor (ou de amores), sobre encontros e desencontros, entre Daisy, Billy e sua esposa Camila (vivida pela atriz argentina Camila Morrone). Uma história tão autêntica quanto impossível, daquelas capazes de quebrar o coração. Ao menos no livro – pois, na série, ela acaba perdendo parte de seu brilho.
Uma adaptação irregular
Ok, sabemos que é sempre meio injusto comparar livro e adaptação cinematográfica ou em série televisiva (são obras independentes, etc.). Mas quando estamos diante de um grande sucesso, lido e cultuado por milhões de pessoas, se torna inevitável assistir à série da Amazon Prime sob a ótica do romance que o originou.
Há um desafio e tanto, portanto, que é fazer jus à expectativa dos fãs. Penso que a maior “decepção” aqui é a perda do charme da trama de Taylor Jenkins Reid. Estamos diante do livro da ascensão e queda de uma história musical de um supergrupo dos anos 1960, formada por músicos talentosos, mas que, em boa parte das vezes, ficavam abafados pela centralidade do seu líder, o sensível e quebrado Billy – que é defendido de forma contida e eficiente pelo ator Sam Clafin, conhecido pela franquia Jogos Vorazes).
Os outros personagens também têm o seu charme. Graham (Will Harrison), o irmão mais novo de Billy, é delicado e gentil, e nutre uma paixão pela tecladista britânica da banda, a elegante Karen Sirko (Suki Waterhouse – que parece mais saída do Velvet Underground do que do Fleetwood Mac, que parece ser a referência central aos The Six).
Mas quem brilha mesmo nessa história é Camila – que, no livro, é a personagem mais rica e multifacetada, mas que acaba sendo abordada de maneira mais econômica na série. E penso que essa talvez seja a grande fragilidade da adaptação: os personagens são menos “gostáveis” na versão televisiva do que no livro.
Em especial, talvez, a própria Daisy Jones perdeu muito do carisma da personagem do livro. Boa parte do encanto da obra está em nos comovermos com “heróis” falhos, com estrelas com múltiplas camadas – muitas delas pouco agradáveis – mas por quem não conseguimos não nos apaixonar.
Pouco charme
(Fonte: Amazon Prime)Fonte: Amazon Prime
A Daisy incorporada por Rylo Keough, tem bem menos charme do que a Camila de Camila Morrone ou a Karen de Suki Waterhouse. Ambas dão um baile na protagonista da história. Mas talvez não dê para colocar toda a “culpa” na neta de Elvis Presley. Parece-me que a contextualização em torno dos problemas de Daisy Jones é excessivamente rápida para que possamos realmente vir a gostar dela.
No começo da série, vemos que Daisy é uma moça privilegiada, filha de pais ricos, mas que é severamente negligenciada por eles. Só sabemos isso por conta de uma cena: quando os pais dão uma festa na sua bela casa e a menina, no quarto, leva uma bronca da mãe por estar cantando a plenos pulmões, e ouve dela que não tem talento. No resto da história, só sabemos que os pais se mudaram e não avisaram a filha.
Parece pouco – assim como os dramas que envolvem os outros personagens, como Billy e Camila – para que possamos realmente nos cativar pela trama. Ainda assim, mesmo que não vá gerar um novo fandom apaixonado, para quem não se importar com a falta de profundidade, Daisy Jones & The Six pode trazer um bom mergulho em uma história regada por boa música.
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