Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo mereceu o Oscar? Veja crítica
Talvez você já esteja cansado de ouvir sobre o “multiverso”, que é nos oferecido nas matérias de tecnologia como uma novidade capaz de mudar nossas vidas. Afinal, pelo menos desde Matrix, de 1999, a ideia da existência de um universo paralelo ao nosso – em que viveríamos de maneira alienada e cega, enquanto a verdade estaria "lá fora" – tem nos seduzido ou, por vezes, soado aos nossos ouvidos como uma grande bobagem.
Mas que tal falar dessas realidades paralelas dentro de uma comédia? De alguma forma, é isto que acontece em Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo, vencedor do Oscar de Melhor Filme e mais estatuetas durante a premiação. Trata-se de uma obra que alcança aquilo que, muitas vezes, é o objetivo dos seus realizadores: consegue angariar fãs e haters na mesma medida.
Dirigido por Daniel Kwan e Daniel Scheinert (dupla que assina como “The Daniels”), o filme transita entre gêneros (está dentro da comédia, mas também da ficção científica e no nicho de aventura) para nos contar a história de Evelyn Wang (Michelle Yeoh). Ela é uma imigrante chinesa nos Estados Unidos que, ao lado do marido, Waymond (Ke Huy Quan), toca um negócio: uma pequena lavanderia que, pelo que entendemos, não está indo muito bem das pernas.
Mas esse não é o único problema de sua vida. Seu casamento está indo para o ralo e o marido, um sujeito bem mais simpático e relaxado que ela, está prestes a pedir o divorcio. Ela não aceita bem a homossexualidade da filha, Joy (Stephanie Hsu), e se preocupa com a reação de seu pai, Gong Gong (o veterano James Hong), quando descobrir que ela tem uma namorada.
Mas a cereja do bolo, que iniciará a trama, é que a lavanderia do casal Wang está prestes a cair na malha fina da Receita Federal, por ter declarado a compra inútil de um karaokê em seu negócio. Quando estão à frente da fiscal da Receita (vivida por Jamie Lee Curtis, em um papel – ou papéis? – hilário), Evelyn está prestes a ter um surto: ela simplesmente não aguenta mais lidar com tudo isso.
Se o filme seguisse o caminho do estouro da crise de Evelyn, talvez estivéssemos diante de uma nova versão de Um Dia de Cão (clássico de Sidney Lumet de 1975). Mas os Daniels resolvem trilhar para um lugar bem mais estranho: o tal do multiverso – ou, como vemos no filme, o Alfaverso.
Este universo se abre quando Evelyn se depara com uma outra versão do seu marido Waymond, que é bem diferente do original: ao invés de doce e passivo, este é inteligente, engenhoso e capaz de lutar como um mestre de kung fu (usando apenas uma pochete com um chaveiro pendurado!). E Waymond veio trazer uma mensagem importante: o mundo está ameaçado por um agente do caos chamado Jobu Tupaki – que é ninguém menos que Joy, a filha do casal.
Tudo ao mesmo tempo
Se este resumo pareceu confuso demais para você, não se assuste: Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo é mais uma obra para ser fruída do que para ser entendida. O que temos em mãos é um filme que tenta se equilibrar entre cenas de ação pouco críveis (talvez haja aqui alguma remissão a O Tigre e o Dragão, filme de luta de Ang Lee que Michelle Yeoh estrelou em 2000), tiradas cômicas (como o momento em que plugs anais servem como chave de acesso ao multiverso) e uma história comovente envolvendo uma família de imigrantes.
De fato, pode-se dizer que “tudo ao mesmo tempo” é um ótimo título para um filme frenético em que não há muito tempo para respirar – o que, por outro lado, o torna cansativo em vários momentos, além de um pouco mais longo do que poderia ser.
Para quem estiver disposto a encarar essa jornada, o filme traz 2 horas e meia de diversão leve – embora talvez ela não reste na memória muito tempo depois. Mas há um fundo filosófico que pode agradar aqueles que colocaram O Efeito Borboleta (aquele de 2004, com Ashton Kutscher) na lista de seus filmes favoritos.
A lógica é semelhante: Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo explora a ideia de que qualquer ação pequena (como o bater de asas de uma borboleta) é capaz de modificar o futuro. No Alfaverso, Evelyn tem a oportunidade de visitar as outras realidades em que ela poderia ter existido.
Quase todas são hilárias: em uma, ela é uma estrela do cinema especializada em filmes de kung fu; noutra, é uma cozinheira que denuncia um colega que conta com a ajuda de um guaxinim escondido em seu chapéu de chef, a la Ratatouille; em mais uma, ela vive em um mundo em que as pessoas têm salsichas no lugar dos dedos.
Não faz nenhum sentido, certo? Outra pergunta plausível seria: precisa? Talvez nesta despretensão esteja justamente a graça do filme dos Daniels.
Performances marcantes
Fonte: Amazon Prime
Mas se dá para dizer que há algo memorável em Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo, colocaria aqui o desempenho dos atores principais. Michelle Yeoh, Ke Huy Quan e Stephanie Hsu encaram com muita competência papéis que exigem muito deles: seriedade no drama, dinamismo nas cenas de ação e (o mais difícil) leveza para entregar o humor.
Todos estão ótimos – não por acaso, foram indicados ao Oscar. Mas penso que o brilho central está em Joy, a multifacetada filha vivida por Stephanie Hsu de forma estupenda. A personagem tem bastante densidade ao evidenciar os conflitos geracionais entre uma moça que quer seguir seus caminhos, mas que é pressionada (mesmo de forma velada) a obedecer às “tradições” de seus ancestrais.
É esse drama que parece dar à luz o “monstro” Jobu Tupaki – que, provavelmente, tem a função de encarnar todos os medos que cercam esses imigrantes. O fascinante Jobu, com seus figurinos maravilhosos, é, ao meu ver, a atração principal desse filme/ game.
Em resumo: Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo é uma diversão de primeira para quem conseguir mergulhar nessa obra maluca e apenas aproveitar as cenas. Para quem esperar genialidade, talvez saia com alguma frustração.
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