Eu Vi o Diabo: filme coreano é uma montanha-russa de emoções (crítica)
Há algum cenário em que a vingança é justificável? Se sim, existe um limite para ela? Esse é um dos temas centrais de Eu Vi o Diabo (I Saw The Devil) - Ang-ma-reul bo-at-da), filme sul-coreano lançado em 2010 e que, mesmo após anos, se sustenta ao trazer uma narrativa intensa, brutal e imprevisível. O longa-metragem é dirigido por Jee-woon Kim, responsável por outras ótimas obras, como Medo (2003) e O Gosto da Vingança (2005).
Roteirizado pelo próprio Kim, em parceria com Park Hoon-jung, Eu Vi o Diabo tem em seu elenco principal Lee Byung-hun (G.I. Joe), Choi Min-sik (Oldboy), Jeon Gook-hwan, Ho-jin Chun, San-ha Oh e Yoon-seo Kim. Nomes, aliás, que fazem um belíssimo trabalho de atuação, especialmente Byung-hun e Min-sik, que compõem a dupla de protagonistas da narrativa.
Desde que assisti Eu Vi o Diabo pela primeira vez, há alguns anos, quis escrever algo sobre ele. Porém, na época, não consegui (por motivos diversos). Agora, após rever o filme, contudo, gostaria de dizer que, finalmente, chegou a hora. Abaixo, portanto, confira uma análise narrativa e crítica completa desse surpreendente projeto de suspense e ação.
O que é Eu Vi o Diabo? (SEM SPOILERS)
Antes de começar a análise, deixe-me te explicar, primeiro, qual é a trama de Eu Vi o Diabo. Assim, ficamos todos na mesma página e, caso você não tenha assistido o filme ainda, conhece um pouco mais sobre ele.
Pois bem, a produção sul-coreana narra a história de Soo-hyeon (Lee Byung-hun), um agente de alto padrão que é casado com a doce Joo-yeon (San-ha Oh). Em uma noite gelada, na qual o carro da moça estraga bem no meio da estrada, Joo-yeon é surpreendida por Jang Kyung-chul (Choi Min-sik), que vê a situação e se oferece para ajudá-la. Contudo, as coisas não são o que parecem ser.
Joo-yeon é sequestrada e assassinada de forma brutal por Jang Kyung-chul, o que desperta toda a ira e o lado vingativo de Soo-hyeon, que passa a caçar incessantemente o criminoso. Porém, mesmo quando ele consegue chegar ao assassino, o homem não se vê satisfeito, já que quer que Jang Kyung-chul sofra o máximo possível.
A partir daí, Soo-hyeon inicia um jogo sádico com o matador da sua esposa, que esconde diversas nuances e reviravoltas de tirar o fôlego.
Eu Vi o Diabo é uma montanha-russa de emoções e explora o lado mais sombrio do ser humano de diferentes perspectivas.Fonte: Insira a fonte
Eu Vi o Diabo: análise narrativa e crítica (COM SPOILERS)
Apesar do título, Eu Vi o Diabo não é um filme clássico de terror. Ele apresenta, sim, elementos do subgênero chamado de terror psicológico (bem antes ele se tornar febre no cinema, inclusive), mas está muito mais para um suspense, um thriller recheado de ação e drama que tem como foco central a vingança e suas consequências. Afinal, se vingar de alguém que lhe fez mal pode ser considerado algo justo? Ou isso apenas torna o indivíduo tão mal quanto seu agressor?
No primeiro ato do filme, a narrativa nos mune de argumentos para acreditar que, sim, a vingança de Soo-hyeon em relação a Jang Kyung-chul é válida, uma vez que este matou sua esposa (que estava grávida) e outras diversas mulheres brutalmente. Sem que notemos completamente, o storytelling, de início, nos faz torcer pelo "mocinho", mesmo que seu objetivo final seja torturar e matar (as mesmas coisas que seu antagonista faz, porém, por motivações diferentes).
Contudo, com o passar do tempo, sorrateiramente, a narrativa coloca uma dúvida em nossas mentes: será que Soo-hyeon já não foi longe demais? Questionamento que é personificado, inclusive, por seu sogro, o ex-policial Jang, que sabe das intenções do personagem principal e pede para que ele interrompa sua vingança. Pedido que não é atendido, já que o ódio de Soo-hyeon é maior do que sua capacidade de enxergar a real gravidade da situação.
E é graças a essa cegueira odiosa, a essa força pautada pela vingança, que as coisas saem do controle e já não sabemos mais quem é o verdadeiro vilão de Eu Vi o Diabo. Ao caçar Jang Kyung-chul, torturá-lo e soltá-lo para que o processo se inicie novamente, até que o assassino não aguente mais viver, Soo-hyeon mostra que pode ser até pior do que o homem que tirou a vida de sua amada, expondo que os cantos sombrios do ser humano podem vir à tona de diferentes formas e em diferentes pessoas. E, quando isso acontece, não há lado correto ou justo, apenas um ciclo interminável de violência e dor.
Justiça e vingança se confundem em Eu Vi o Diabo, que apresenta uma análise de até onde o ser humano pode chegar através da vingança e do ódio.Fonte: Insira a fonte
Além disso tudo, vale destacar que o filme é muito eficaz ao criar imprevisibilidade através de ótimas reviravoltas. Em um momento, Soo-hyeon tem Jang Kyung-chul na palma de sua mão. Em outro, Jang Kyung-chul coloca em cheque a jornada de Soo-hyeon, virando o jogo e retomando o controle. Nesse vai e vem, somos colocados em uma montanha-russa de emoções capaz de criar uma atmosfera tensa, cheia de apreensão, e que nos deixa curiosos e ansiosos para saber o que nos aguarda na próxima esquina narrativa.
Ao fim da projeção, Soo-hyeon consegue sua vingança e desmorona, chorando copiosamente, em um ato que, de felicidade e satisfação, não tem nada. Pelo contrário, ao tornar essa caçada vingativa na missão de sua vida, o protagonista apenas postergou seu luto e seus reais sentimentos em relação a tudo o que houve, esperando que o sofrimento de Jang Kyung-chul lhe servisse com uma espécie de remédio ou cura. Porém, como este diz momentos antes, não há nada que Soo-hyeon possa fazer que traga Joo-yeon de volta. Ou seja, o seria killer já "venceu" o jogo.
Eu Vi o Diabo, portanto, é um belíssimo estudo sobre como os conceitos de vingança e justiça, por vezes, podem se confundir e aflorar nos seres humanos (todos eles) comportamentos questionáveis, criando situações em que nunca há vitoriosos, mas, sim, figuras distorcidas e feridas por cicatrizes que não se fecham.
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