Pearl: filme de terror com Mia Goth é bom? (Análise e crítica)
O ano de 2022 contou com ótimos filmes de terror. Entre eles, certamente, podemos citar o surpreendente Pearl, prequel de X: A Marca da Morte, ambos dirigidos por Ti West e integrantes de uma trilogia imaginada pelo cineasta. A franquia ainda terá MaXXXine, título que será lançado em 2023 e concluirá a saga violenta.
Diferente de X: A Marca da Morte, que é focado em um grupo de artistas da indústria pornográfica, Pearl tem como alvo apenas uma personagem: a própria Pearl, que, em X, já se transformou em Maxine, uma atriz pornô que sonha com os holofotes acima de qualquer outra coisa.
Em Pearl, todavia, a protagonista, que é vivida pela talentosíssima Mia Goth, ainda é uma jovem pacata e ingênua, que vive com os pais em uma confortável fazenda, trabalhando no local todos os dias a fim de manter o espaço funcionando. Mas, claro, isso não dura para sempre, uma vez que Pearl começa, aos poucos, a sair de sua zona de conforto em direção aos seus maiores desejos: fama e reconhecimento.
Mas será que Pearl é realmente um bom filme? Como ele agrega à narrativa de X: A Marca da Morte? Abaixo, você confere uma análise narrativa e crítica do filme de terror e descobre para que veio a obra de Ti West!
O que é Pearl? (SEM SPOILERS)
Primeiramente, vamos falar um pouquinho sobre a trama de Pearl a fim de estabelecer um norte e entender do que se trata o filme. Combinado?
A história de Pearl é bem simples na superfície e acompanha as origens humildes da moça que dá título à produção. Em meio a um contexto de guerra e um período de incertezas, no qual o futuro ainda é uma incógnita, Pearl mora em uma fazenda com seus pais: sua mãe é a rígida Ruth (Tandi Wright) e o personagem de Matthew Sunderland, que não ganha um nome próprio, representa seu pai, um homem incapaz de se mexer ou falar e que precisa de cuidados específicos.
Deixada para trás por seu marido Howard (Alistair Sewell), que foi convocado para a guerra, Pearl vive uma vida singela, cuidando de animais e plantas, e ajudando sua mãe com as necessidades de seu pai, que precisa ser alimentado, banhado e trocado. Todavia, a jovem sonha com a fama e é obcecada por virar uma estrela.
Ao perceber que ela nunca conseguirá chegar ao seu objetivo enquanto estiver presa às tarefas rurais, Pearl começa a procurar por caminhos que a ascendam aos palcos. Em uma visita à cidade, por exemplo, ela conhece o projecionista vivido pelo ator David Corenswet, que a encoraja a ir atrás de uma carreira no cinema.
Apesar de toda sua esperança e animação, Pearl entra um embate sério com seus pais (sua mãe, particularmente), que querem que ela continue trabalhando na fazenda da família. Os conflitos, somados a outras experiências, trazem à tona um lado sombrio da moça que nem mesmo ela sabia que tinha. E, bem, vamos para por aqui para não entrar em território de spoilers. Digamos, apenas, que as coisas acabam saindo do controle no pior dos sentidos.
Mia Goth entrega uma atuação digna de aplausos e prêmios em Pearl, filme de terror dirigido por Ti West.Fonte: A24
ATENÇÃO: ALERTA DE SPOILERS! NÃO CONTINUE LENDO SE VOCÊ AINDA NÃO ASSISTIU PEARL!
Pearl: análise narrativa e crítica (COM SPOILERS)
Lembra-se de quando eu disse que a trama de Pearl é relativamente simples na superfície? Pois é, é porque a complexidade da narrativa não gira em torno da história em si (apesar de ela contribuir, claro, para o resultado final), mas, sim, de sua protagonista. Nesse sentido, o filme de Ti West é um belíssimo estudo de personagem, uma aula sobre como explorar as diferentes facetas de uma figura e o que a levou a se tornar o que se tornou.
Inclusive, seria injusto exaltar apenas Ti West pelos acertos de Pearl, visto que Mia Goth também é uma das roteiristas e produtoras da obra. A atriz não apenas ajudou a criar toda uma narrativa propícia para a transformação da protagonista em uma vilã terrível, mas também entregou uma atuação digna de prêmios (não à toa, muitos, incluindo este que vos escreve, reclamaram de sua ausência na categoria de Melhor Atriz do Oscar 2023).
É impressionante como a artista, que tem raízes verde e amarelas (ela é filha de mãe brasileira), consegue se reinventar ao longo da narrativa de Pearl, passando de uma garota ingênua e esperançosa para uma mulher desiludida e quebrada, que se reconstrói através de uma figura vilanesca e fria, que não vê problemas em assassinar seus próprios pais, interesse amoroso, marido e cunhada em prol daquilo que ela mais quer: fama (ou seria liberdade através da fama?).
Por isso, não posso deixar de citar a sequência que, por si só, já deveria render à Goth diversos prêmios cinematográficos. Estou falando do desabafo de Pearl à sua cunhada Mitsy (Emma Jenkins-Purro) durante o terceiro ato do longa. Na cena, a personagem desaba em todo os sentidos e, pela primeira vez, não esconde o que realmente está sentindo e no que ela se transformou.
O discurso da jovem, filmado sem cortes (sério, a passagem é um primor), sintetiza tudo o que Pearl carregava dentro de si: frustração, depressão, tristeza, raiva, amor, sonhos e por aí vai (algo aos moldes do que acontece no último episódio da série The Bear). Todas as cartas são colocadas na mesa com uma emoção e uma intensidade que não são tão comuns de se ver, especialmente em filmes de terror, que costumam focar muito mais em suas tramas assustadoras do que no desenvolvimento de seus personagens.
A sexualidade reprimida da protagonista também é uma das questões com as quais ela tem que lidar durante a narrativa.Fonte: A24
O que quero dizer é que, apenas pela atuação magistral de Mia Goth, já valeria a pena conferir a obra de Ti West, ainda mais se você gostou de X: A Marca da Morte e queria entender um pouco mais sobre as origens de Maxine. Mas Pearl vai além e também traz temas bem pertinentes e que geram ótimas discussões, como controle parental, pressão psicológica, autoafirmação, fama, entre outros.
Apesar de não justificar sua ações, o tratamento rígido e frio que Pearl recebe de sua mãe é um dos estopins para que a jovem alimente seu lado vingativo e sádico, que já estava lá (vemos isso na forma como ela mata animais, por exemplo), mas ainda adormecido. A tentativa de Ruth de exercer controle sobre a filha, forçando-a a ser exatamente como ela, gera frustrações em ambos os lados (Ruth, inclusive, expressa seu descontentamento em relação à sua própria vida em uma discussão) e contribui para a tragédia que toma conta da narrativa, que se inicia justamente através da rivalidade familiar.
Quando Pearl mata sua mãe (e seu pai, mais tarde, mesmo que ele não represente perigo - mas ele ainda é uma âncora do passado), portanto, a narrativa aponta uma espécie de segundo corte umbilical, com a jovem assumindo de uma vez por todas o controle de sua vida e abraçando seu lado violento. É a partir daí, inclusive, que ela passa a matar quaisquer outras pessoas que representem qualquer tipo de ameaça ao seu novo "eu", que faz de tudo para cuidar de si e alcançar o estrelato (que é o completo oposto da vida com seus pais).
O filme ainda traz uma crítica interessante sobre a fama: vale qualquer coisa para chegar ao topo? Para Pearl, os limites são inexistentes e não há nada mais importante do que o glamour dos palcos. Nesse sentido, inclusive, sua roupa de cor vermelho-sangue, utilizada durante o último ato do longa, além de representar as mortes que ela carrega consigo, é um símbolo de sua paixão e obsessão (o vermelho geralmente apresenta essa conotação em obras cinematográficas).
Por fim, Pearl é uma grata surpresa e acerta em cheio ao explorar os limites de uma personagem repleta de traumas, sonhos e frustrações que, apesar de tudo, aparentemente, jamais deixará de acreditar que é um estrela, como ela mesma diz durante a cena em que faz uma audição para uma peça. Então, se você também assistiu e gostou da obra de West, repita comigo: eu sou uma estrela!
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