Mulheres no Oscar: por que não há indicadas para Melhor Direção em 2023?
Já faz muito tempo que o Oscar tem sido encarado como muito mais do que o prêmio mais reconhecido da indústria cinematográfica mundial. Mais do que indicar quais foram as melhores produções de um determinado ano (o que, muitas vezes, é bastante contestável de acordo com os críticos), o Oscar é entendido como parte da vida política.
Como isso, indico que se espera que esta muito visada premiação reflita também o mundo no qual ela existe e perdura. Logo, é até compreensível que o fato de que os Oscars 2023 não tenham incluído mulheres na lista dos indicados ao prêmio de Melhor Direção tenha causado muito furor das redes sociais. Ainda mais porque haviam pelo menos quatro diretoras elegíveis ao reconhecimento: Sarah Polley, por Entre Mulheres; Gina Prince-Bythewood, por Mulher-Rei; Maria Schrader, por Ela Disse; e Charlotte Wells, por Aftersun.
Ao invés disso, seis homens foram indicados (Entre Mulheres está na lista dos indicados a Melhor Filme, mas Sarah Polley não foi lembrada para direção e só entrou nos finalistas para Melhor Roteiro Adaptado). Esta notícia indignou porque fortaleceu uma “tradição” ruim dos Oscars: ao longo de sua história, apenas 7 mulheres receberam o prêmio de direção. Duas delas, nos anos anteriores: em 2021, Chloé Zhao venceu por Nomadland, e em 2022, Jane Campion ganhou por Ataque dos Cães.
Todos estes dados inspiram movimentos como o #OscarSoMale, que denuncia o sexismo e a predileção por candidatos masculinos na premiação ao longo de tantas décadas. Historicamente, podemos dizer que as mulheres raramente foram lembradas na hora de reconhecer os talentos deste mercado com poder de influência tão forte.
Por que isto é importante?
(Fonte: The New York Times)Fonte: The New York Times
A principal questão posta aqui é que uma premiação deste nível (como o Oscar, mas não apenas ele) representa muito mais do que uma estátua na prateleira de alguém. Ele significa ditar os rumos de uma indústria de influência mundial, que impacta os modos com que pessoas espalhadas em todos os continentes irão ver o seu retorno e – o mais importante, como vão se enxergar.
Ou seja, ter mulheres (assim como pessoas negras, indígenas, homossexuais, pessoas com deficiências, e tantos outros grupos minoritários de poder, conforme visto pela cultura norte-americana e tantas outras) sendo reconhecidas é também uma maneira de garantir que suas visões artísticas encontrem financiamento e, por isso mesmo, atinjam novos públicos. Vale lembrar que a premissa simplória de que “o júri não tem culpa que os diretores são melhores que as diretoras” é rasa e contestável – o próprio fato de que muitos dos filmes elogiados pela crítica em 2022 surgiram de produções e direções femininas já é a prova do contrário.
Além disso, vale aqui também refletir sobre o fato de que, se há mais homens que mulheres na indústria cinematográfica, é prudente pensar sobre por que isso acontece. Se menos mulheres conseguem se desenvolver e consequentemente se destacar neste mercado, é bem possível que haja uma razão estrutural que leve a isso.
Representatividade no Oscar
(Fonte: Papelpop)Fonte: Papelpop
Para não dizer que nada evolui no cinema mundial, há um fato inédito a ser celebrado: a atriz malaia-chinesa Michelle Yeoh já marcou história ao se tornar a primeira asiática a ser indicada ao prêmio de Melhor Atriz por Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo.
A edição 2023, aliás, tem outro recorde: é o ano em que mais atores asiáticos receberam indicações por sua atuação. Stephanie Hsu, uma americana de ascendência chinesa, foi indicada para Melhor Atriz Coadjuvante por Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo, assim como o ator vietnamita-americano Ke Huy Quan, pelo mesmo filme. Já a tailandesa Hong Chau foi indicada a Melhor Atriz Coadjuvante por A Baleia.
Ao jornal The New York Times, Michelle Yeoh declarou o seu sentimento dúbio por ser a primeira atriz a concretizar o feito desta indicação em 95 anos de Oscars. “Claro que estou nas nuvens, mas também um pouco triste porque sei que outras atrizes incríveis da Ásia vieram antes de mim. Espero que essa indicação estilhace o ‘teto de vidro’ acima de nós, e que a gente continue a ver mais dos nossos rostos no prêmio”.
Vale lembrar que uma das principais críticas destinada aos Oscars nos últimos anos tem a ver com a pouca diversidade entre os premiados, incluindo as pessoas negras. Contudo, em 2022, o fato que mais repercutiu sobre a festa foi o tapa dado por Will Smith no apresentador Chris Rock após ele ter feito uma piada bastante desrespeitosa com a esposa de Will, Jada Pinkett Smith.
Não foram poucos os que acusaram que a reverberação gigantesca a esse evento, e os consequentes danos à carreira de Will Smith, revela o quanto o racismo ainda persiste não apenas nesta indústria, mas também no âmbito social. Assim, o infinito debate sobre o tapa (ou, ao menos, a importância que se deu a ele) perpetuaria uma ideia de violência e brutalidade que costuma ser associada a pessoas negras, especialmente os homens.
Mas os avanços vêm em ondas, e não em linha reta, como talvez pudéssemos imaginar. Em 2020, por exemplo, o Oscar quebrou outro tabu: o de privilegiar apenas filmes produzidos em língua inglesa entre suas láureas principais. O responsável pelo feito foi a fantástica obra coreana Parasita, que traz uma forte crítica social ao contexto de exploração capitalista. Parasita acabou ganhando Melhor Filme e deu o prêmio de Melhor Diretor para Bong Joon-ho, tornando o primeiro longa em língua estrangeira a conquistar este feito.
Com o passar dos anos, a perspectiva é que esta cobrança pela diversidade entre os premiados apenas aumente, e que as obras cinematográficas impulsionadas pelo mais importante prêmio do mercado cinematográfico se tornem cada vez mais plurais. Sem dúvida, ver-nos todos e todas representados nas telas é algo que a indústria deve cada vez mais almejar – seja por motivos políticos ou apenas por motivos comerciais mesmo.
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