The White Lotus carrega desejo e traição para a Sicília (crítica)
Quem assistiu à primeira temporada de The White Lotus, da HBO Max, sabe bem por que esta é uma das séries mais elogiadas hoje na TV americana. Ao levar o espectador para dentro de um resort, acompanhando as férias de pessoas muito ricas, nós temos acesso ao texto afiadíssimo do showrunner Mike White, que não poupa suas farpas ao exibir as rachaduras presentes nas vidas daqueles que supostamente têm tudo.
The White Lotus, com muita clareza, é uma desculpa perfeita (e inteligente) para olharmos para os milionários com o sarcasmo que não conseguimos expressar na vida real.
Se a primeira temporada nos levava para férias no Havaí, na temporada 2, também vamos parar em outra ilha: na Sicília, cenário paradisíaco da Itália, onde estão situadas cidades históricas em que foram gravadas cenas da trilogia O Poderoso Chefão.
Este contexto tanto romântico quanto saudosista é trazido para os novos episódios – afinal, estamos aqui tratando de gente que carrega “dinheiro antigo”, ou seja, herdou muita grana de seus antepassados.
Novas abordagens sobre as frustrações dos muito ricos
(Fonte: HBO Max)Fonte: HBO Max
Mas ser “nobre”, obviamente, não é aqui qualquer garantia de ter uma vida boa. Muito pelo contrário. E talvez seja por isso que a principal personagem de The White Lotus – e a única que retornou da primeira temporada – é a milionária depressiva Tanya (papel de Jennifer Coolidge, vencedora do Emmy por sua performance com a personagem), cujo dinheiro é diretamente proporcional ao tamanho da sua carência.
Logo no primeiro episódio, já descobrimos que Tanya se casou com o sujeito que ela “pescou” de forma meio aleatória no Havaí, na temporada 1, um policial que tem uma doença terminal. Haveria a possibilidade de esse casamento ter sido por amor? E por que este homem parece se comportar de forma meio estranha?
Tanya segue sendo Tanya: para as férias, ela carregou junto sua “assistente” Portia (Haley Lu Richardson), que tem mais a função de uma babá que deve nutrir as suas carências. Completamente sem noção em relação aos subalternos, Tanya segue tratando Portia como alguém que só existe para atender aos seus desejos – de forma muito semelhante com que tratou a funcionária de um spa na primeira temporada.
Portia, aliás, também serve como ligação com outro núcleo de personagens: ela tem um envolvimento com Albie Di Grasso (Adam DiMarco), que vai para a Itália com seu pai (Michael Imperioli) e seu avô (o veterano F. Murray Abraham), em busca de revisitar suas origens na Sicília. Cada um destes homens têm alta expectativa sobre a viagem, que simboliza a busca de algum sentido na vida. Mas uma das mensagens constantes em The White Lotus parece ser: se você foi agraciado com muito poder, prepare-se para sentir na pele a enorme frustração em relação àquilo que o dinheiro não pode comprar.
Desejo e traição na Sicília
(Fonte: HBO Max)Fonte: HBO Max
Além da divertida história que se desenrola ao longo dos episódios, The White Lotus tem como marca a presença de uma vasta quantidade de elementos simbólicos que desdobram outras camadas de sentido a serem captados pelos mais atentos. Na primeira temporada, isso acontecia nas capas dos livros que os personagens carregavam para a beira das piscinas do resort.
Já na segunda temporada, uma chave de leitura está nas obras de arte que adornam os ambientes da Sicília. No primeiro episódio, há uma pista interessantíssima: a câmera foca em estátuas de cabeças que estão presentes na decoração. Um dos hóspedes acha estranho que isso esteja lá. Um funcionário do hotel logo esclarece: esses adornos são baseados na lenda de uma mulher ciumenta que teria decapitado seu amante ao descobrir que ele era casado.
É uma chave muito intrigante deixada por Mike White, e que deixa claro: na temporada da Sicília, os personagens estão girando em torno de seus desejos e do que estão dispostos a fazer para realizá-los – mesmo que isso custe, talvez, perder tudo o que têm. Não por acaso, há duas mulheres em cena que funcionam como "cola" entre todos os núcleos. Falo aqui as prostitutas Lucia (Simona Tabasco) e Mia (Beatrice Grannò), duas “locais” que se inserem de forma sorrateira em um ambiente em que claramente não pertencem.
Contudo, elas são personagens articuladoras: tudo o que acontece em cena se dá por conta da presença delas, que de alguma forma simbolizam a esperteza dos mais pobres (e dos mais livres sexualmente) ao entrar neste universo das aparências. São elas que vão estabelecer a tensão entre a família Di Grasso e entre os dois casais que estão passando férias juntos no resort meio por acaso: Ethan (Will Sharpe) e Harper (Aubrey Plaza) toparam viajar com Cameron (Theo James) e Daphne (Meghann Fahy), embora as duplas sejam completamente opostas entre si.
Os primeiros são pessoas inteligentes e cultas que enriqueceram com a explosão das big techs, mas que enfrentam a constatação de que não resta muito desejo em seu casamento. Já os dois últimos são um casal pulsante e meio fútil, que se vangloriam de nunca brigar – pouco importando que eles claramente tenham um acordo tácito de fechar os olhos para as traições de Cameron.
Cameron e Ethan, que são colegas de faculdade, têm uma relação marcada por ressentimento. Quando Ethan começa a desconfiar que sua mulher possa ter tido algum lance sexual com Cameron, a quem ela supostamente detesta, levanta-se uma sombra tensa que lembra o drama entre Capitu e Bentinho em Dom Casmurro, clássico de Machado de Assis. É impossível não querer acarompanh essa história até o fim.
A tensão sexual gerará, por fim, a libertação desses ricos sofredores, ou as cabeças irão rolar? Mais uma vez, Mike White acerta em cheio no texto desta grande série: ele consegue novamente dar dignidade a seus “pobres personagens ricos”, sem demais deixar de expressar o quanto eles são ridículos. E assim, The White Lotus continua sendo uma atração imperdível para quem aprecia a televisão de alta qualidade.
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