Quanto tempo deve durar uma série de televisão? (Análise)
Todos os meses, recebemos novidades no cardápio das séries oferecido pelas emissoras e pelos serviços de streaming que temos à disposição. Algumas destas atrações não receberão continuidade, mas outras – caso vários fatores conspirem a favor – se estenderão por novas temporadas ao longo de muitos anos.
É certo que o principal aspecto para que haja a confirmação da sequência das séries é bastante óbvio: elas precisam dar lucro. Caso tenham boa audiência que justifique os investimentos feitos pela plataforma de streaming, ou então mobilizem contratos altos de publicidade, no caso das emissoras, teremos a chance de acompanhar os próximos passos dos personagens que amamos.
Se isto não ocorrer, provavelmente seus enredos ficarão soltos e, a nós, restará apenas a imaginação. A exceção ocorre quando já é anunciado que aquela será a última temporada de uma narrativa seriada.
Mas isto também inspira um fenômeno contrário: o caso das séries que acabam se estendendo muito mais do que seria necessário, fazendo com que uma história que, inicialmente, era excelente, perca o brilho e vire uma espécie de Frankenstein cheio de remendos.
A lógica das narrativas seriadas
(Fonte: NBC)Fonte: NBC
Vejamos: quando uma série é colocada ao ar, temos um cuidadoso trabalho de roteiro que busca desenhar a história central (uma trama em torno de um escritório meio medíocre, no caso de The Office; uma história em que se busca desvendar um mistério de assassinato, em How to Get Away with Murder) mas também os plots paralelos dos personagens, que ganham pequenas “bíblias” engendradas pelos roteiristas que explicam quem eles são.
Estas tramas, portanto, são previstas para que suas tramas transcorram de maneira coerente, para que o espectador possa se identificar e entender quem são aqueles personagens. Mas, além disso, elas servem para que os roteiristas saibam para onde levá-los ao longo dos episódios. E é por isso que, quando uma série se estende para muito além do seu enredo inicial (o que ocorre, quase sempre, quando o sucesso é estrondoso), ela tende a degringolar. Para muita gente, The Office deveria ter se encerrada após a saída da estrela, Steve Carell - mas não foi o que aconteceu.
Isso pode se tornar ainda mais grave quando as séries são adaptações de outras histórias. Vide, por exemplo, The Handmaid’s Tale, da Hulu, que está prestes a estrear sua quinta temporada. A história apavorante em torno de uma distopia totalitária em que as mulheres são subjugadas baseia-se no romance O Conto da Aia, da escritora canadense Margaret Atwood, de 1985. Se a série chegar à décima temporada, que é o que se especula, pouco restará da trama original – possivelmente escapando do universo concebido inicialmente por Atwood.
Séries que foram longe demais
(Fonte: NBC)Fonte: NBC
Temos muitos exemplos séries que se perderam pelo caminho por conta de sua extensão, decepcionando os fãs e deixando uma memória ruim sobre o trajeto que percorreram. Quase sempre, o motivo é o sucesso, o que traz um certo paradoxo: quanto mais popular se torna a série, mais ela tende a rumar por caminhos indesejados.
O exemplo mais lembrado costuma ser Grey’s Anatomy, o drama hospitalar escrito por Shonda Rhimes, que estreou em 2005 na ABC. A história central se baseia na personagem Meredith Grey (vivida por Ellen Pompeo), uma jovem médica insegura que lida tanto com suas questões emocionais quanto ao fato de se sentir à sombra da mãe enquanto profissional.
Atualmente indo para a 19ª temporada, resta pouco da premissa original. A própria Ellen Pompeo já manifestou cansaço da personagem, e a longevidade de Grey’s Anatomy já virou uma espécie de meme coletivo sobre o prazo de validade dos dramas televisivos.
Mas o predecessor de Grey’s Anatomy – a série dramática ER, da NBC – também pode ter ido longe demais. A história dos médicos e enfermeiros do County General, em Chicago, é considerada como um grande clássico da ficção televisiva. Criada por Michael Crichton (um médico que se tornou escritor – dentre suas obras, por exemplo, está Jurassic Park), ER iniciou em 1994 e durou até 2009, totalizando 15 temporadas.
Ocorre que quem acompanhou o drama de cabo a rabo sabe que muita coisa mudou ao longo dos anos da série. ER se centralizava prioritariamente na questão das urgências dos atendimentos e nos conflitos que atingiam os profissionais da medicina ao lidar com pacientes de um hospital público sempre caótico.
Mas, com o avançar das temporadas, as tramas pessoais dos médicos e enfermeiros foram tomando mais espaço, muitas vezes pegando foco sobre o que antes era o centro da série. Os personagens ficaram mais rasos e as soluções do roteiro, mais artificiais. Além disso, os romances foram intensificados (o que pode ser um reflexo à estreia e ao sucesso de Grey’s Anatomy, em 2005).
Quando uma série "perde o bonde"
(Fonte: FX)Fonte: FX
Outra série muito lembrada por ter se perdido com o tempo é Dexter, da CBS. A história inicial era realmente muito original e apelativa: convidava-nos a adentrar na mente de um sujeito que passou por um trauma (testemunhou o assassinato da mãe enquanto ainda era um bebê) e acabou desenvolvendo um impulso irresistível de matar e uma incapacidade de expressar afeto pelos outros. Para lidar com isso, seu pai adotivo resolve treinar o menino para que pudesse dar vazão a esse impulso por meio de um código: ele só poderia assassinar pessoas muito más e que cometeram crimes.
A premissa era ótima, e Dexter foi encarnado brilhantemente pelo ator Michael C. Hall (de Six Feet Under), que conseguiu construir um personagem cujo mote é a consciência sobre sua personalidade amoral. Mas ao chegar à sétima temporada, pouco restava da ideia original: Dexter já tinha muitos conflitos que o tornavam muito mais “humano”, mas bem longe daquilo que foi ofertado inicialmente aos fãs.
O resultado foi um final de série que, até hoje, é considerado como uma das piores soluções de roteiro já inventadas. A reputação atingida um dia por Dexter foi à terra. Encerrada em 2013, Dexter recebeu uma nova chance em 2021, com uma nova série com ares de spin-off chamada Dexter: New Blood, que tenta dar uma nova faceta ao serial killer, tendo que lidar com o legado do seu filho. Mas também não foi um grande sucesso entre os fãs, que acharam que o arco narrativo do personagem já tinha ido longe demais.
Talvez tenhamos mais exemplos de séries que excederam o prazo de validade do que as que se encerraram no ápice, deixando boas memórias e a sensação de ter assistido a um produto impecável. Apenas para citar dois exemplos, podemos pensar nos dramas The Sopranos (6 temporadas) e Breaking Bad (5 temporadas). Terminar no auge, sem dúvida, não é fácil – e certamente envolve abrir mão de encher (ainda mais) os bolsos dos produtores e das emissoras.
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