Sandman: série da Netflix é boa mesmo? Veja análise narrativa (Crítica)

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Imagem: Netflix

Se você, assim como eu, é fã dos quadrinhos de Sandman, a obra-prima do grandioso Neil Gaiman, eu tenho certeza de uma coisa: você sempre “sonhou” com uma adaptação digna das HQs para as telas.

E eu não sei dizer se foi graças ao Rubi do Morpheus ou a qualquer outra força misteriosa do universo, mas, finalmente, nossos sonhos se tornaram realidade.

Pois é, a Netflix acertou o alvo com essa nova série de Sandman (2022), adaptação em live-action que, em sua maior parte, conseguiu trazer para as telinhas de maneira primorosa todo aquele universo fantástico das graphic novels que marcaram época.

E eu digo em sua maior parte porque, embora eu esteja bem contente e satisfeito com o que eu vi no seriado, ainda tenho algumas coisinhas para pontuar.

Então, chegou a hora de eu fazer aquela baita análise narrativa e crítica e te contar absolutamente tudo sobre a série Sandman, da Netflix!

>>> ASSISTA:

O que é Sandman? (SEM SPOILERS)

Antes de eu mergulhar na crítica de Sandman, precisamos falar um pouquinho sobre o que é essa obra tão icônica, só para quem ainda não conhece tão bem entender um pouco melhor o porquê de toda essa euforia.

Sandman, ou The Sandman, como você preferir, é uma série de quadrinhos criada pelo famoso Neil Gaiman, em 1989, e lançada através do selo Vertigo, da DC Comics.

Então, não, não é algo relativamente novo como muitos podem imaginar. E, sim, é uma obra que veio do universo da DC.

As HQs originais foram publicadas até 1996, então, Sandman ficou rodando por aí, mais ou menos, 7 anos, e contou ao todo com 75 edições.

Na história, acompanhamos o personagem Sonho, também conhecido como Morpheus, ou Sandman, que é um dos 7 Perpétuos, um grupo de entidades poderosas que, na verdade, se apresenta como uma família um tanto quanto disfuncional.

“Mas, calma lá, o que são os Perpétuos de Sandman?”

Bem, eles são seres antropomórficos e imortais que representam aspectos do viver que são comuns a todos os seres humanos. São eles: Sonho, que é o protagonista, Morte, Desejo, Desespero, Destruição, Destino e Delírio.

Cada um desses sete Perpétuos, portanto, tem uma função específica no mundo e, juntos, são responsáveis por manter o equilíbrio entre os humanos e ordenar o universo conforme nós o conhecemos.

SandmanSandman (Vertigo/DC Comics)

Desde suas primeiras edições, Sandman fez um sucesso enorme e, com o passar dos anos, apenas se consolidou ainda mais como uma obra essencial para o gênero de HQs.

E isso se deve muito ao conteúdo autêntico e transgressor de Sandman, que rompeu, e muito, com aquele universo conhecido dos super-heróis para criar uma narrativa densa, sombria, introspectiva e muito criativa.

Neil Gaiman foi muito além de uma simples trama de “herói versus vilão”, e abordou através de Sandman temas bem interessantes e ousados, como sexualidade, solidão, criatividade, arte e por aí vai.

Isso sem falar na escrita em si da obra, que é formidável e extremamente envolvente, bem como as capas das edições de Sandman, criadas pelo artista Dave McKean, e que são verdadeiras obras de arte surrealistas e sombrias.

Por isso, não é mera coincidência que Sandman tenha sido a primeira HQ a entrar na lista de best-sellers do The New York Times e tenha arrastado uma legião de fãs até os dias de hoje.

ATENÇÃO: A PARTIR DE AGORA, ESTE TEXTO TERÁ SPOILERS DA SÉRIE SANDMAN, DA NETFLIX. NÃO CONTINUE SE VOCÊ AINDA NÃO ASSISTIU.

Análise narrativa e crítica da série Sandman (COM SPOILERS)

Pois bem, já vou começar dizendo que, sim, eu adorei a série da Netflix, especialmente a adaptação do primeiro arco, que se chama “Prelúdios e Noturnos”, e que vai até o episódio 6.

Aliás, o episódio 6 de Sandman é algo que renderia um vídeo só para ele. Mas eu falo mais sobre isso daqui a pouquinho.

Começando, portanto, só para você entender melhor, a série adaptou dois arcos dos quadrinhos: “Prelúdios e Noturnos”, que fica entre os episódios 1 e 6, e “Casa de Bonecas”, que fica entre os episódios 7 e 10.

E, como são duas tramas diferentes, apesar de estarem dentro da mesma macro-história de Sandman, vou analisá-las separadamente para ficar mais simples. Até porque eu amei a primeira parte e já não me senti tão empolgado com a segunda.

Foi por isso que eu disse no início deste texto, inclusive, que, em sua maior parte, a série é um primor, mas não em sua totalidade. Até porque nada é perfeito, mas Sandman chega próximo disso.

Prelúdios e Noturnos

Entre os episódios 1 e 6, nós temos tudo aquilo que um fã de Sandman sempre sonhou em ver. Uma adaptação extremamente fiel à obra original, com um elenco super competente e aspectos visuais lindos, que fazem justiça ao universo mágico e sombrio das HQs.

Aliás, praticamente todos os grandes momentos do primeiro arco de Sandman nas HQs são trazidos para a série.

Desde a missão de Morpheus para recuperar suas ferramentas, sua visita ao inferno e o massacre da lanchonete com John Dee, até o papo do protagonista com a Morte e o arco em que ele fica visitando o mesmo ser humano de 100 em 100 anos para saber o que ele está achando de continuar vivo por tanto tempo (apesar de esse arco não estar em “Prelúdios e Noturnos”).

Ou seja, querer reclamar de que faltou isso ou aquilo seria realmente querer caçar agulha em palheiro.

Ainda mais porque a série não só trouxe esses grandes momentos, como os adaptou de forma muito satisfatória.

Nesse sentido, eu destaco alguns ótimos momentos. Começando com a visita do Sonho ao inferno para recuperar seu elmo. Como você deve lembrar, lá, ele precisa duelar com o próprio Lúcifer pra conseguir sair vivo e reconquistar seu capacete.

A composição do inferno é sensacional e realmente parece ter saído diretamente das páginas dos quadrinhos, bem como o desfecho do duelo, que traz algumas frases memoráveis das HQs.

Aliás, ponto positivo para a série por trazer muitas passagens originais do texto de Neil Gaiman para as telas e por não querer inventar a roda, tentando refazer ou modernizar diálogos e cenas das HQs que já são incríveis.

O episódio da lanchonete, o quinto da temporada, também é fantástico, com o vilão John Dee aterrorizando geral e transformando o lugar em um verdadeiro poço de loucura e desespero.

O clima sombrio que o episódio cria, somado à ótima atuação do ator David Thewlis, que dá vida ao personagem John Dee, captam muito bem o ar assustador que é passado nos quadrinhos em relação à trama.

Ah, e é nesse episódio que o Morpheus não só vence John Dee e recupera seu rubi, mas aparece gigante e imponente, segurando o vilão na palma de sua mão. Um momento bem icônico das graphic novels e que também foi retratado muito bem na série. Outro baita acerto da adaptação da Netflix!

SandmanSandman (Netflix/Warner/DC)

Eis que, então, temos o maravilhoso episódio 6 de Sandman, que, para mim, foi o ponto mais alto da série. Ele adapta a edição 8 dos quadrinhos, chamada “The Sound of Her Wings”, ou, em tradução no Brasil, “O Som de Suas Asas”, que é uma das edições favoritas dos fãs, e uma das minhas também

Nesse capítulo, nós acompanhamos um Morpheus vazio, sem propósito ou direção, logo depois de ele ter finalmente concluído sua missão de recuperar suas ferramentas. E, aí, aparece, finalmente, a personagem Morte, que é irmã de Sonho e um dos Perpétuos também.

Juntos, eles fazem uma espécie de Antes do Amanhecer (filme maravilhoso do diretor Richard Linklater) e caminham pela cidade ao mesmo tempo em que trocam ideias sobre a vida. Tudo enquanto a Morte realiza a função dela de coletar algumas almas.

É um episódio altamente introspectivo, sem grandes batalhas, vilões ou missões empolgantes. É simplesmente uma grande reflexão sobre propósito, vida, morte e destino, e que se dá por meio de diálogos super afiados e instigantes.

A série pescou perfeitamente o que essa trama se propõe a fazer, com representações muito fiéis e, novamente, falas que saíram diretamente dos quadrinhos e do ótimo texto de Gaiman, para o delírio dos fãs, e meu também, claro.

E não dá para deixar de citar o incrível trabalho da atriz Kirby Howell-Baptiste, que interpreta a Morte. Ela traz uma leveza muito grande e necessária para o papel, exatamente como vemos nas HQs, já que a Morte, ao contrário do que se pode imaginar, é uma das personagens mais descontraídas e gentis de Sandman.

Nesse sentido, foi muito bom ver como Kirby captou muito isso e entregou uma Morte muito amável e inteligente.

Para completar, nesse mesmo episódio, os roteiristas ainda incluíram uma outra trama dos quadrinhos que eu achei que não veria na série. É aquela do homem que acaba se tornando imortal (graças a Morte, que lhe concede esse “presente”) e, com o tempo, amigo de Morpheus, se encontrando com ele uma vez a cada século, sempre no mesmo bar, para papear sobre a humanidade e a existência.

Outra sacada muito legal da série, já que esse arco condiz muito com o momento em que o Morpheus está passando, e complementa o encontro do protagonista com a Morte, fechando um ciclo narrativo bem interessante.

SandmanSandman (Netflix/Warner/DC)

Casa de Bonecas

Muito bem, agora vamos falar um pouco dos últimos episódios de Sandman, que adaptam o arco “Casa de Bonecas”.

E foi aí que eu dei uma leve murchada, porque, claramente, há uma quebra no ritmo da trama e no tom da narrativa como um todo.

E não me entendam mal, pois não acho que os últimos episódios sejam ruins ou que condenem a série. Nada disso. Mas, a partir do episódio 7, é perceptível como a narrativa acelera bastante, com trama, atrás de trama, atrás de trama, novos personagens, novas informações, etc.

A série engrena em um ritmo extremamente rápido, com muitas subtramas sendo armadas, o que torna um pouco difícil acompanhar e pescar tudo, até mesmo para quem já leu os quadrinhos.

Algo bem diferente dos primeiros episódios, que são um pouco mais cadenciados, também com muitas informações, mas que são gerenciadas de uma maneira mais organizada e suave.

Aqui, me pareceu que os roteiristas quiseram acelerar para poder, primeiro: resolver as tramas já abertas anteriormente, como a do Coríntio, por exemplo; segundo: resolver as novas histórias do arco, como as da Rose, do Jed e da bisavó deles; e terceiro: criar ganchos para uma 2ª temporada de Sandman.

E como só sobraram 4 episódios para fazer tudo isso acontecer, o ritmo com que o espectador é bombardeado com novas informações é bem frenético. Mas, com bastante atenção e esforço, dá para entender tudo. Como eu disse, não é algo que estrague a experiência de assistir Sandman.

Por fim, acredito também que essa segunda parte da série quebrou um pouco daquele tom mais soturno, cadenciado e misterioso que a primeira parte estabelece muito bem.

Especialmente se você parar para pensar que saímos diretamente daquele episódio 6, super introspectivo e mais filosófico, para uma nova trama, com personagens um pouco mais infantis e descontraídos, como a Rosie, o Jed e os moradores da casa na Flórida, por exemplo.

Enfim, não há problema com o arco em si, contudo, essa mudança narrativa foi um pouquinho brusca e muda um pouco a tonalidade da narrativa sem aviso prévio, justamente quando já estávamos bem ambientados.

Digo e repito, todavia: nada que estrague a série da Netflix, que, no fim das contas, foi realmente ótima e um prazer de acompanhar.

Conclusão

Resumindo, a série Sandman é uma adaptação maravilhosa, muito fiel ao seu material de origem e realmente digna do hype e de todos os elogios que vem recebendo.

Apesar da oscilação no segundo arco da história, realmente foi uma grata surpresa assistir Sandman e eu recomendo que você, mesmo que não tenha lido os quadrinhos, assista o quanto antes!

O que você achou de Sandman? Já viu? Leu os quadrinhos também? Comente!

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