A Vida Sexual das Universitárias: o sexo como piada entre as mulheres
O nome Mindy Kaling talvez seja estranho para você. Mas caso você seja fã de The Office, certamente vai lembrar de Kelly Kapoor, a funcionária meio desbocada, eternamente enroscada com o colega/namorado, que era vivida por Mindy nesta célebre série da NBC. Nem todos sabem, mas ela é uma showrunner bastante talentosa. Seu último empreendimento é a série de comédia A vida sexual das universitárias, da HBO, no qual adentra em um universo que já foi visitado e revisitado pela ficção norte-americana: o ambiente estudantil.
Diferente de algumas séries conhecidas que abordaram os anos do colegial (como Euphoria, Gossip Girl, Riverdale, e a cultuada e pouco conhecida My so-called life), aqui nós estamos – como o nome deixa claro – nos quatro anos da vida na universidade. Mas a grande sacada de A vida sexual das universitárias é, justamente, o de trazer um tipo de comédia pastelão de cunho sexual, muito comum nos anos 80 (quem lembra de filmes clássicos como O último americano virgem e Porkys?), para a conversa entre as mulheres.
Sim, precisamos de uns 40 anos até que pudéssemos tirar a vida sexual das adolescentes e jovens do discurso mais voltado ao romantismo, às descobertas (sempre ao lado de um homem), e começássemos a fazer piada daquilo que elas vivem.
E isto não é pouca coisa. Lembre-se, por exemplo, de fenômenos como o filme American Pie, de 1999, primeiro grande sucesso a resgatar a onda de obras cômicas sobre amadurecimento sexual que lotaram os cinemas durante os anos 80. Ali, tínhamos vários aspectos sobre a descoberta do sexo – como os constrangimentos, os desejos enrustidos, as pequenas alegrias e as decepções que costumam acometer os jovens nessa época. Mas o foco era, obviamente, a relação entre os homens, e as meninas acabavam se tornando acessórios em torno das tramas de Jim Levenstein (personagem de Jason Biggs) e seus amigos.
As confusões da vida universitária
(Fonte: HBO)Fonte: HBO
Daria pra dizer, então, que A vida sexual das universitárias é meio que um American Pie com meninas. A série se passa em uma universidade fictícia, chamada de Essex. Lá, quatro jovens recém-chegadas à vida adulta acabam dividindo um apartamento em uma residência da faculdade. Elas são estrategicamente desenhadas para simbolizar tipos de mulheres de sua faixa etária. Bela (Amrit Kaur), que é filha de imigrantes indianos, aspira ser comediante e parece ter uma obsessão descontraída por sexo e por corpos sarados, quase como se representasse um estereótipo masculino agora personificado em uma mulher.
Já Kimberly (interpretada por Pauline Chalamet – irmã do famoso ator Timothy Chalamet, de Duna) é alguém que pertence a uma classe social mais simples e tem pais poucos sofisticados, e que pretende se tornar a primeira pessoa da família a ter ensino universitário. Whitney (Alyah Chanelle), a única negra entre as colegas, é uma estrela do esporte, e filha de uma senadora importante que deposita nela grandes expectativas e cobranças. Por fim, temos Leighton (vivida por Reneé Rapp), que talvez seja a personagem mais interessante: é uma herdeira de família rica e esnobe, e adepta a um estilo elitista (em outras palavras, é uma bela patricinha); no entanto, ela sofre por viver enclausurada no armário, sentindo-se incapaz de assumir sua homossexualidade.
Juntas, elas adentram com sede de vida no ambiente universitário e se deslumbram com as possibilidades que ele traz. Mas a série fala menos de suas ambições profissionais e muito mais de seus desejos por descobrir e experimentar novas coisas. A sexualidade, deste modo, aparece como uma porta de entrada a um mundo novo, em que podem se confrontar consigo mesmas e com o lugar em que viveram e cresceram.
Se sexo envolve sempre algum tipo de rebeldia, pode-se dizer que as quatro colegas estão tentando cortar laços de algo: Whitney, da mãe dominadora e poderosa; Bela, dos pais conservadores; Kimberly, da visão menosprezadora que tem de si mesma, e Leighton, das amarras sociais que ela imagina ter por conta de sua classe.
Sexo enquanto metáfora
(Fonte: HBO)Fonte: HBO
A grande sacada de Mindy Kaling nesta sua nova série é que, por mais que o sexo surja já no nome, ele não é exatamente o centro da história – assim como ocorria em American Pie, como quem assistiu deve rememorar. O lance de A vida sexual das universitárias é que a sexualidade aparece aqui enquanto uma metáfora, uma espécie de rito de passagem que as meninas devem percorrer para descobrir, aos poucos, quem realmente são.
Talvez não seja a série mais divertida do mundo, mas A vida sexual das universitárias tem lá suas boas sacadas. Kimberly, por exemplo, tem umas cenas bem engraçadas com seus colegas de trabalho (ela é a única que tem emprego) em uma cafeteria. Já Bela, que sonha em se tornar uma estrela da comédia, não consegue soltar uma frase que não contenha uma piada. Sua postura um pouco masculinizada é um contraponto às personagens femininas mais típicas das séries de ficção.
A personagem mais interessante, no entanto, talvez seja Leighton, a patricinha que é excluída por suas amigas de infância já no primeiro episódio. Leighton é sempre ranzinza e grossa com as colegas – estado de humor que é claramente relacionado ao fato de ela viver uma vida “paralela”, escondendo a sua sexualidade. Aos poucos, ela vai adquirindo confiança e desarmando-se com as novas amigas, de quem fazia pouco caso. As cenas em que ela conversa com a amiga Kimberly sobre isso é a mais comovente desta primeira temporada.
Por isso, não estaria errado dizer que o mote de A vida sexual das universitárias é discutir a amizade e o amadurecimento que surge entre as mulheres que se apoiam. Por conta da boa sacada de Mindy Kaling, aqui não falamos de meninas doces e românticas à procura de um namorado (inclusive, um detalhe importante é que nenhuma delas está em busca de compromisso), mas de jovens mulheres que falam sobre vários assuntos – e, dentre eles, sexo. A vida sexual das universitárias já foi confirmada pela HBO para uma segunda temporada.
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