Only Murders in the Building: um choque entre gerações da comédia (crítica)
Quem tem um pouco mais de idade, deve lembrar que, nos anos 80, Steve Martin era o rei absoluto dos filmes de comédia. Ele emplacava um sucesso atrás do outro. Falo aqui de clássicos como Cliente morto não paga (de 1982), Um espírito baixou em mim (de 1984), Parenthood – o tiro que não saiu pela culatra (de 1989), Roxanne (de 1987), Antes só que mal-acompanhado (de 1987), entre tantos. Mas os anos passaram, o estilo de comédia mudou, e Steve Martin deu uma desaparecida das nossas telas. Permaneceu apenas na memória dos fãs.
Para a alegria dos que têm saudades dos filmes antigos na Sessão da Tarde, Steve Martin está de volta, com a série Only murders in the building, do Hulu, um projeto criado por Martin em parceria com John Hoffman (produtor de Grace and Frankie). A nostalgia, aliás, não para no nome do ator. A série – que é uma comédia, mas que mistura elementos típicos do gênero policial – traz ainda o ator Martin Short (outro veterano da comédia, e parceiro de Steve Martin no sucesso O pai da noiva, de 1991), e faz uma homenagem ao estilo de "comédia de mistério" que foi tão bem explorado em alguns filmes de Woody Allen, especialmente os que criam situações de humor a partir de acontecimentos bem sérios (como são, obviamente, os assassinatos).
A premissa de Only murders in the building é a seguinte: três vizinhos meio deprimidos se cruzam eventualmente nos elevadores do majestoso prédio Arconia, situado em Nova York. Trocam nada menos que um aceno de cabeça ou um eventual bom dia. Mas, um dia, tudo muda: o prédio é evacuado por conta de um crime que ocorreu lá dentro. Eles acabam descobrindo que, poucos minutos antes, os três haviam pegado o elevador junto com um rapaz que foi assassinado.
Os três vizinhos – que são interpretados por Steve Martin, Martin Short e Selena Gomez – acabam descobrindo que têm algo em comum: são aficionados por podcasts estilo true crime, que recontam a história de crimes reais em narrativas envolventes. O formato é uma verdadeira febre nos Estados Unidos, mas também em outros países, incluindo aqui o Brasil.
Por conta disso, eles se sentem um pouco detetives e acham que podem ser capazes de desvendar a verdade sobre o assassinato antes que a polícia o faça. A partir daí, é um pulo para que eles queiram se juntar para investigar quem matou Tim Kono (vivido pelo ator Julian Cihi).
Encontro entre gerações
(Fonte: Divulgação Hulu)Fonte: Divulgação Hulu
A grande sacada de Only murders in the building é que a série promove um debate involuntário sobre as diferenças geracionais. A primeira camada desta discussão, que talvez seja a mais óbvia, ocorre no encontro dos atores. Aqui, os veteranos Steve Martin e Martin Short contracenam com Selena Gomez, uma estrela teen surgida na Disney e que constrói agora uma carreira como atriz adulta.
Mas há pequenas minúcias que aos poucos sinalizam o que há de comum entre os velhos e a jovem. Os três personagens, cada um à sua maneira, estão entediados e melancólicos. Steve Martin é Charles-Haden Savage, um ator aposentado famoso por uma série policial antiga, Brazzos (provavelmente, uma referência à série Columbo), mas, como é mostrado já no primeiro episódio, ele parece amargar o esquecimento. Com dificuldade de se entregar em relacionamentos, ele se tornou uma espécie de solteirão misantropo.
Já Martin Short é Oliver Putnam, um diretor de musicais megalomaníaco que se recusa a encarar o próprio fracasso. Ele perdeu sua família por conta de suas posturas irresponsáveis e está prestes a ser despejado do Arconia por não pagar o aluguel, mas, mesmo assim, não consegue tomar uma atitude sobre a sua vida.
Selena Gomez – que tem idade para ser neta dos dois – é Mabel Mora, uma moça soturna que mora de favor na casa da tia e também está atrelada a memórias ruins adquiridas no prédio. Ou seja: independente da idade que tenham, todos ali são bem solitários e infelizes.
A outra camada deste comentário sobre as pontes geracionais envolve justamente os gêneros presentes em Only murders in the building. A série, que é um clássico policial estilo whodunnit (estilo que se centraliza na descoberta sobre quem cometeu o crime), remetendo a romances e filmes clássicos, é o tempo todo atualizado pelo fenômeno contemporâneo dos podcasts, que costumam mobilizar uma audiência muito engajada. O resultado é que Only murders in the building acaba parecendo que é uma série nova e velha ao mesmo tempo.
Uma mistura de mistério e humor
Não pretendo dar spoilers aqui, por isso não vou entrar no enredo do crime em si. Mas vou compartilhar neste texto uma informação sobre a trama que talvez já fique explícita no próprio nome da série: Charles, Oliver e Mabel se juntam para produzir um podcast para ir divulgando publicamente suas descobertas sobre o assassinato. O podcast, claro, se chama “Only murders in the building”.
O processo bem atrapalhado do trio para produzir este material é a principal fonte do humor da série do Hulu. Em certa medida, isto ocorre quase sempre por conta da ignorância dos “vovôs” Charles e Oliver, já que a jovem Mabel, sempre mais esperta que eles, carrega as tintas mais dramáticas. Seria interessante, inclusive, ver Selena Gomez se arriscando mais na comédia.
A história do mistério em si acaba se revelando, em minha opinião, mais fraca do que a tônica cômica da série. Mesmo que haja momentos comoventes – em especial, quando as fragilidades dos personagens são abordadas -, a principal atração de Only murders in the building é o texto afiado nas piadas.
Vale destacar também o elenco de apoio, cheio de nomes conhecidos da comédia, como Tina Fey, Nathan Lane e até uma participação bem engraçada do cantor Sting (que mora no Arconia!). Mas se não fosse por tudo isso, só conferir mais uma vez as performances maravilhosas de Steve Martin e Martin Short já seria razão suficiente para maratonar Only murders in the building.
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