Matrix: qual foi o impacto dos filmes na cultura?
Em 1999, tive uma experiência bastante inusitada. Um amigo me convidou para assistir a um filme novo que estava dando o que falar. Trouxe uma cópia VHS para minha casa (na época, usávamos um aparelho meio vintage chamado videocassete para ver filmes) para poder assistirmos juntos à sensação do momento.
O nome do filme era Matrix. A experiência a que me refiro foi a forma que vimos o filme: a cada cinco minutos, ele dava pause na fita e fazia longas explanações sobre o que, de fato, a obra estava dizendo ou a que estava se referindo. A película, que tinha duração de 2 horas e 15 minutos, levou, no total, umas 5 horas.
Cito este episódio porque considero-o bastante emblemático: ele ajuda a explicar qual foi o impacto do surgimento do primeiro filme Matrix, de Lana e Lilly Wachowski, dentro da cultura. Lançado como filme único, a obra faria tanto sucesso que se tornaria uma franquia composta por múltiplos produtos: uma trilogia (que nesse ano ganhou o quarto filme, Matrix: Ressurrections), jogos, animações, livros, roupas, action figures, dentre tantos outros.
As famosas pílulas de Matrix.Fonte: Yahoo!
O fato de que meu amigo pausava o filme para explicar os conceitos mostrava que esta não era uma obra cinematográfica qualquer, que se esgotava na experiência de assisti-la. Estávamos diante de um filme que se propunha ser um mergulho em um universo específico, sustentado pelo pensamento de filósofos cujas ideias repercutiam muito naquela época. O principal deles, certamente, era o francês Jean Baudrillard, cujo livro "Simulacros e Simulações" inspirou parte das discussões presentes nesse primeiro filme. Mas havia também influência de clássicos da ficção científica, como "Neuromancer", de William Gibson, e mesmo de animes como Akira.
Quem assistiu ao primeiro Matrix, ou consumiu toda a trilogia, sabe que a premissa essencial ao filme é a ideia de que existe uma vida além daquela acessível por meio de nossa realidade “concreta” – e que pode, ela mesma, ser uma ilusão, articulada para que nos encaixemos dentro de uma grande “matriz”, na qual (sobre)vivemos sem questionamentos. Esta é a metáfora que se constrói a partir do elemento da escolha entre a pílula azul e a vermelha: nós poderíamos optar por aceitar a “cegueira” ou por enxergar a “vida real”.
Um filme que reflete sua época
Cena de Matrix com a dupla Trinity (Carrie-Anne Moss) e Neo (Keanu Reeves).Fonte: Jovem Pan
Vale lembrar que Matrix é um perfeito fruto do seu tempo. Em 1999, a internet ainda engatinhava, e estava muito longe do que se tornaria nos próximos 20 anos. Mas aqui não se deve pensar tanto nas tecnologias em si, e, sim, nas relações que se formavam entre os seres humanos e as máquinas tão avançadas que então surgiam e que pareciam ser obra de ficção científica.
Pense: em 1999, vivenciávamos o medo do bug do milênio (o temor sobre o que aconteceria com nossos dados quando virasse o ano 2000, já que as máquinas não comportariam a mudança de 31/12/1999 para 01/01/2000). A figura do hacker (o protagonista, Neo, vivido por Keanu Reeves, é hacker quando não está trabalhando em um escritório chato) sinalizava a possibilidade de que nós, sujeitos comuns, pudéssemos ter tanto (ou mais) poder que as grandes corporações. Estávamos também começando a lidar com a possibilidade de criarmos nossos avatares na internet, e tudo parecia muito estranho: aquele sujeito que me representa dentro de uma rede social sou eu ou uma invenção sobre mim?
Matrix, portanto, encarnava nossos sentimentos conflitantes acerca das mudanças que se sinalizavam no horizonte e das tecnologias associadas a ela. Por isso, o tom meio obscuro do filme – que, aliás, é típico da ficção científica, gênero que essencialmente é distópico, ou seja, tende a observar o futuro sob uma ótica pessimista. Dá para dizer que a franquia criada pelas irmãs Wachowski encontrou o sucesso por dar vazão aos medos que nos acometiam – e ainda nos acometem, em certa medida – sobre nossas relações com as máquinas.
Avanços tecnológicos no cinema
Os efeitos especiais de Matrix marcaram a história do cinema.Fonte: Nerdizmo
Embora Matrix não seja apenas cinema, como explicamos aqui, vale lembrar que também é cinema. Os filmes repercutiram muito por conta de novas experimentações na linguagem cinematográfica e, claro, dos efeitos especiais que até hoje impressionam.
Quer um exemplo? Quando você pensa em Matrix, mesmo que não tenha assistido aos filmes, é bem provável que venha à sua mente as cenas de luta ultra coreografadas, unindo artes marciais com efeitos até hoje muito impactantes. Estas cenas – que são obra do coreógrafo chinês Yuen Woo-Ping – repercutiram em muitos filmes que surgiram nos anos seguintes, como O Tigre e o Dragão (2000), de Ang Lee, As Panteras (2000), de McG, e Kill Bill (2003), de Quentin Tarantino.
Mas, sem dúvida, o efeito mais famoso de Matrix é aquele chamado de bullet time, que causa a impressão de que o tempo foi congelado enquanto o espectador acompanha uma cena em 360 graus. Vale destacar que este efeito especial não foi inventado em Matrix (ele aparece, por exemplo, no documentário Olympia, da diretora alemã Leni Riefenstahl, que retrata os Jogos Olímpicos de Verão em 1936), mas foi no filme que gerou maior impacto na audiência.
O que é matrix?
Por fim, listo aqui um dos aspectos mais enigmáticos da franquia Matrix: o fato de serem filmes muito complexos, que não entregam respostas definitivas sobre as questões que levantam. Se você assistir a um dos filmes e sair carregado de convicções, pode ter certeza: você não captou a proposta das irmãs Wachowski.
Por isso, a pergunta que talvez todos se façam – “o que é a matrix?”- não é resolvida. Em uma cena, o personagem Morpheus (vivido por Laurence Fishburne) diz para Neo: “infelizmente, ninguém pode dizer o que é a matrix. Você tem que ir por si mesmo”. E é isso que torna Matrix ainda mais impressionante por ser um grande blockbuster, pois ele nos desafia a permanecer nessa desconfortável sensação da dúvida. Talvez seja por isso que este universo é tão interessante, mesmo depois de 20 anos.
Categorias