Entre Facas e Segredos usa detetive para discutir a sociedade (crítica)

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Existe uma expressão, usada pelos literatos anglófonos, para descrever o tipo de narrativa de Entre Facas e Segredos, o mais novo filme de Ryan Johnson. Seria um “Whodunit”, uma contração fonética para “Who Done It”, ou, em simples português, “quem fez isso”, articulado, claro, em forma de pergunta. São tramas que envolvem um mistério impossível de ser solucionado, frequentemente protagonizadas por um detetive, portanto. Em geral o momento da explicação de como o caso se desenrola toma as vezes de clímax, desvendando um quebra-cabeças que parecia até então absurdo.


Entre Facas e Segredos é exatamente isso, mas também é mais do que isso. O filme é exatamente isso por abraçar uma série de elementos que tornaram este subgênero famoso nas mãos de escritores como Conan Doyle e seu Sherlock Holmes e Agatha Christie e seu Hercule Poirot. Está lá a mansão, um morto, uma família de sicofantas interesseiros, um suspeito óbvio e outros não tão óbvios e, elementar, um detetive. Todavia, é também mais que isso por usar esta estrutura para discutir classe social, elitismo e racismo. Não é pouca coisa.

Stanfield, Segan e Craig em Entre Facas e Segredos (Divulgação)


A trama criada por Johnson é, por princípio, deliciosamente metalinguística, já que Harlan Thrombey, o morto em questão vivido por Christopher Plummer, é um bem-sucedido escritor de histórias de detetive. Seu aparente suicídio é questionado por Benoit Blanc, papel de Daniel Craig, que emula um ótimo e afetado sotaque do Kentucky, não distante do sotaque francês dos atores que encarnaram Poirot nas adaptações de Christie. Ele é um famoso consultor da polícia que poderia facilmente protagonizar um dos livros de Thrombey (ou Christie, ou Doyle). A partir daí, com a ajuda do investigador, a polícia (LaKeith Stanfield e Noah Segan, ambos em bom momento) repete as entrevistas com as pessoas que estavam na mansão na noite fatídica. É quando Johnson mostra suas armas.


Todos os filhos, filhas, genros, noras e netos de Trombey são um poço profundo de privilégio, mesmo que estejam espalhados pelo espectro político. Desde a jovem universitária progressista que trai a amiga para poder continuar fazendo seu curso até o adolescente neo-nazi troll de internet, passando por uma influenciadora de bem-estar e uma empresária do setor imobiliário. O que o sucesso profissional de todos tem em comum? O fato de terem dependido da fortuna de Thrombey quando foi conveniente. Todo o discurso Entre Facas e Segredos é uma grande tiração de sarro em relação à noção de meritocracia e merecimento dito por pessoas que nasceram em berço de ouro e nunca tiveram que lavar uma louça na vida.

A família Thrombey reunida (Divulgação)


Tudo, evidentemente, executado com bastante humor e leveza por Johnson, que lança em Entre Facas e Segredos algumas das melhores falas do cinema hollywoodiano de 2019 – “eu li um tuite sobre um artigo da Newyorker sobre você!” declamado por Toni Collette, para ficar em um exemplo do trailer, é hilário. O diretor e roteirista tem uma habilidade única para fazer com que o humor emerja naturalmente da interação entre os personagens, sem forçar caricaturas rasas ou comédia física gratuita. Nada que seja surpreendente para quem já conhece sua carreira, desde o curioso Neo Noir Estudantil A Ponta de um Crime, até Os Últimos Jedi, que talvez seja um dos melhores, senão o melhor, Star Wars já feito (é preciso que o filme sofra um pouco mais o teste do tempo), passando pela inventiva ficção científica de viagem no tempo Looper.


Com sorte, Entre Facas e Segredos faça sucesso o suficiente, como é comum nos romances ao estilo Whodunit, que possamos ver em breve uma nova aventura de Benoit Blanc.

Este texto foi escrito por Luiz Gustavo Vilela Teireixa via nexperts.

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Fontes

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