Star Wars: A Ascensão Skywalker é um fim triste da nova trilogia
É virtualmente impossível ter participado da cultura pop nos últimos 40 anos – e ninguém escreve sobre audiovisual profissionalmente se não for o caso – e não sentir nada quando o letreiro no qual se lê “a long time ago in a galaxy far far away” aparece. Assistir a um filme da saga Star Wars, sem nenhum exagero, é algo muito próximo de uma experiência religiosa. Estão lá a vivência comunal, os códigos e costumes, os ritos, enfim, muito do que torna uma religião organizada um fenômeno cultural legítimo. É com esse espírito de devoção que muitos de nós entramos nas salas de cinema para ver o mais novo capítulo final da série, Star Wars: A Ascensão Skywalker. O resultado é uma crise de fé.
Talvez seja uma postura muito dura, a de se decepcionar com o que ao fim e ao cabo não passa de um produto corporativo cuja finalidade última é simplesmente vender bonequinho e ingressos para parques de diversão. Ao mesmo tempo, porém, é pedir demais que A Ascensão Skywalker, primeiro, funcione como obra audiovisual coesa e, segundo, como parte integrante de um universo maior estabelecido ao longo dos dois últimos lançamentos da franquia Star Wars? Não atender a estes critérios, mesmo do ponto de vista mercadológico, não parece fazer muito sentido.
Abraçar esta incoerência interna é o maior pecado de A Ascensão Skywalker, o que soa como uma tentativa de apagar todo o desenvolvimento narrativo e dramático de Os Últimos Jedi, o filme anterior dirigido por Rian Johnson. Essa decisão gera duas distorções claras, que são: convulsionar o andamento, afetando o ritmo do filme – que dá a sensação de se estar em uma montanha-russa temática e não de uma obra audiovisual –; e principalmente, negar fatos estabelecidos anteriormente – nenhum momento é tão simbólico disso quanto a reconstrução do capacete de Kylo Ren, interpretado por Adam Driver. Por isso a grande revelação sobre o passado de Rey, a personagem de Daisy Ridley, aparece no meio da história. Um eco do “No, I’m your father” do final de O Império Contra-Ataca, o segundo filme da trilogia original. É quase como se a primeira metade deste mais novo Star Wars fosse a história que J.J. Abrams quis que Os Últimos Jedi fosse.
Com isso a sensação geral de assistir A Ascensão Skywalker é de acompanhar alguém jogando um destes RPGs cheios de pequenas missões vagamente interligadas. Rey e a nova tripulação da Millennium Falcon precisam ir a um planeta pegar uma adaga que tem uma mensagem que precisa ser traduzida que leva a um mapa que leva ao planeta onde tudo irá acabar. Isso, evidentemente, está de alguma forma entranhado em todos os filmes da franquia Star Wars. O clima de aventura é dado por isso, mas neste caso o roteiro de Chris Terrio e Abrams apresenta uma sucessão de pequenos acontecimentos e resoluções rápidas. Os personagens (e consequentemente o público) mal têm tempo de digerir os acontecimentos e uma outra coisa já acontece rapidamente. O fracasso é principalmente como produto midiático e não como obra de arte.
A raiz do problema está na estratégia da Disney para o lançamento desta nova trilogia. A ideia era que três diretores diferentes assumissem cada um dos filmes. Quem deveria dirigir este terceiro e último, depois de Abrams e Johnson, seria Colin Trevorrow, que vinha do sucesso de Jurassic World. Tudo foi por água abaixo quando uma turba, pequena, mas barulhenta, de trolls começaram a reclamar de Os Últimos Jedi e suas mensagens que subvertiam e ampliavam as questões envolvendo o universo Star Wars. Ao mesmo tempo, O Livro de Henry, filme que Treverrow lançou enquanto esperava para começar a trabalhar em Star Wars fracassou, levando o estúdio a recorrer novamente à Abrams. Daí, em parte, a sensação de que Os Últimos Jedi foi apagado.
Com isso toda a nuance do desenvolvimento de Rey e, especialmente, Kylo Ren/Ben Skywalker em Os Últimos Jedi se perde. E, mais do que isso, a complexidade do universo também. Johnson incluiu na galáxia muito distante a luta de classes ao mostrar uma casta de ricos esnobes e esbanjadores que lucram com o conflito espacial, resgatando em parte o debate político dos Episódios I, II e III, ao mesmo tempo em que questiona a oposição simplista entre Jedi e Sith. Abrams se contenta com lutas de espada (que, vá lá, são bem legais) e com a disputa maniqueísta do bem contra o mal, coisa que já não faz tanto sentido no mundo em que vivemos.
Este texto foi escrito por Luiz Gustavo Vilela Teixeira via nexperts.
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