O Farol é terror claustrofóbico envolto de mitologias (crítica)

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O cinema de terror pipocão — aquele exibido aqui, ali e acolá —, deve sua fama a produções baseadas em sustos e medos reativos. Zumbis, vampiros, assassinos, demônios… É uma infinidade de figuras e elementos que ajudaram a pavimentar o gênero, mas não sem deixar seu legado de clichês depois de certo tempo. Indo nessa contramão em um período mais recente, A Bruxa, de Robert Eggers, subverteu completamente os chavões graças a um estilo disforme, intrínseco e apoiado em simbologias para causar horror de maneira bem incomum. Algo do tipo também pôde ser visto em obras de autores distintos, como em Hereditário Midssomar, e agora é a vez do fascinante O Farol receber holofotes.

O pano de fundo é o início do século passado e nele somos apresentados a Thomas Wake, responsável por um farol de uma ilha remota na Nova Inglaterra. Após perder seu último ajudante, Wake contrata Ephraim Winslow, que procura descobrir o que acontece dentro do lugar misterioso, ao passo que se depara com fenômenos sobrenaturais extremamente medonhos. Esse é o segundo filme dirigido por Eggers e aqui há um resgate do expressionismo alemão para chocar com o terror "atmosférico" e esteticamente distorcido. É um trabalho excepcional que intriga em cada detalhe. Nada é inserido de graça.

Com produção do brasileiro Rodrigo Teixeira, existe uma dispensa da tecnologia de ponta e o estilo à moda antiga dá o contorno do filme, com direito a preto e branco, proporção de tela bidimensional e captação de som do “tempo do êpa”. Todo esse conjunto cinematográfico é imposto dentro de um cenário apartado, claustrofóbico, úmido e encardido que força uma relação conflituosa entre os faroleiros, fazendo com que ambos beirem à loucura cena após cena. Todavia, a cereja do bolo são os mitos náuticos que rondam absolutamente tudo, desde as aparições de gaivotas sinistras aos pesadelos com sereias amaldiçoadas. Essas sutilezas jamais caem na obviedade e podem levar a inúmeras interpretações: cada pessoa pode ler o contexto de formas diferentes.Também vale ressaltar o incrível trabalho sonoro de Mariusz Glabinski e Damian Volpe, incubidos de adicionar uma camada extra de esquisitice auditiva em uma trama que já é incômoda por si só.

Willem Dafoe está visceral e entrega um Thomas Wake bronco, autoritário, mentalmente desgastado pelo tempo e ora desequilibrado, fazendo com que ele seja até mesmo acolhedor em determinadas situações. O faroleiro convence na apresentação multifacetada de seus comportamentos e rouba o filme para si até a metade, mas logo é ofuscado pela interpretação magistral de Robert Pattinson, que usa Dafoe de escada para presentear o espectador com um Ephraim Winslow inquieto, repleto de imprevisibilidades e suscetível ao delírio. Essa escalada é feita de maneira volumétrica por meio de um roteiro habilidoso em incitar o caos. Fica a sensação recorrente de que os ânimos entre os personagens podem se exaltar a qualquer momento e que a situação sairá totalmente do controle. O roteiro provocante escrito por Egger, juntamente com o seu irmão, Max Eggers, é a principal engrenagem dessa crescente.

Seguindo o molde do que foi feito em A BruxaO Farol subverte estereótipos do horror fundados em medos reativos e imerge o espectador em uma experiência turbulenta, simbólica e inóspita. Os mitos e as lendas do mar que pontuam as metáforas do longa estimulam reflexões sobre isolamento, demência e obsessão diante do desconhecido e até mesmo do proibido. A dupla Pattinson e Dafoe está dedicada com interpretações enérgicas e instigantes. Seria uma completa injustiça se esse filme como um todo não fosse indicado a grandes premiações, uma vez que é possível considerá-lo uma das melhores produções de terror já rodadas recentemente.

Este texto foi escrito por Fabrício Calixto de Oliveira via nexperts.

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