Crítica: Adoráveis Mulheres consolida talento de Greta Gerwig

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Adoráveis Mulheres, o livro (eventualmente publicado também como Mulherzinhas), é um destes fenômenos que permeiam a cultura pop. Assim como Drácula, de Bram Stoker, ou O Sítio do Pica-Pau Amarelo, de Monteiro Lobato, no Brasil, é impossível que se passe muito tempo sem que uma nova adaptação da obra de Louisa May Alcott surja nas telas. Apenas na última década, entre minisséries e filmes, dentro de um grande espectro de fidelidade, foram cinco versões da saga da família March. Este é mais um dos motivos pelos quais a mais recente, escrita e dirigida por Greta Gerwig, chame tanta atenção.

Gerwig apareceu no mapa hollywoodiano de forma tímida. Primeiro como atriz e depois como roteirista, trabalhando em colaboração com Noah Baumbach em filmes como Frances Ha, de 2012, e Mistress America, de 2015 – com quem terminou por se relacionar também romanticamente –, para só então testar a mão na direção com o aclamado Lady Bird: A Hora de Voar, de 2017. Todos os seus trabalhos autorais eram estudos de personagem sobre o que significa ser uma mulher jovem nos EUA. Neste sentido, a grande surpresa de Adoráveis Mulheres está na familiaridade de Gerwig com o tema, considerando a ambientação em meados do século XIX.

Pugh, Ronan e Watson como três das irmãs March (Divulgação/Sony)

O que esta nova versão de Adoráveis Mulheres demonstra é o quão pouco a condição feminina se alterou nos últimos dois séculos. As quatro irmãs March, de diferentes formas, experienciam ao longo de suas vidas as limitações impostas ao seu gênero que tornam quase impossível navegar pela sociedade sem a presença de um homem. Gerwig não doura a pílula, apresentando essa questão desde o início, quando Jo, papel da sempre impressionante Saoirse Ronan, precisa “masculinizar” seu estilo literário e esconder seu nome para conseguir ser publicada nos jornais – uma protagonista feminina precisa terminar o conto se casando ou morrendo, diz o editor.

Nem todos os momentos são sutis. Amy, vivida por Florence Pugh, explica de forma didática a diferença central entre homens e mulheres naquela sociedade para o dândi Laurie, interpretado por Timothée Chalamet. Homens, a jovem argumenta, possuem coisas. Mulheres são apenas mais uma dessas coisas. Importante lembrar que o voto feminino é uma conquista de 1019 nos EUA (14 anos depois no Brasil). O casamento com um jovem nascido em uma família rica é uma das poucas saídas que uma mulher pode ter para uma vida confortável.

As quatro irmãs March (Divulgação/Sony)

Apesar da preocupação temática ser cara à Gerwig, Adoráveis Mulheres não é um filme apenas discursivo, que se preocupa apenas em argumentar sobre sua tese central usando as personagens como espantalhos. O apuro visual é notável, do figurino, que reforça as personalidades das quatro irmãs, aos cenários, que demonstram as diferenças sociais entre os March e as outras famílias que vivem em seu entorno, passando pela direção de fotografia, que ajuda a situar o espectador temporalmente. Difícil, porém, pensar em outro aspecto mais interessante do que a montagem, que é uma das mais delicadas e inventivas dos últimos tempos.

Vivemos, afinal, um período em que a forma mais usual para um diretor se afirmar é usando um longo em complexo plano-sequência, evitando (ou mascarando) os cortes e chamando atenção para si. Adoráveis Mulheres, por sua própria natureza fragmentada – são duas linhas do tempo separadas por sete anos e, na segunda, as quatro irmãs ficam mais tempo separadas –, exige que a montagem guie o olhar do público. Gerwig não se limita a apenas demonstrar didaticamente onde e quando determinada cena se passa, ela também conecta as cenas usando muito elegantemente todos os truques do manual do cinema.

Relações femininas são examinadas por Gerwig (Divulgação/Sony)

Alguns exemplos chamam mais atenção, como quando Amy pede que Laurie use seu melhor terno de seda e, em seguida, vemos Meg, papel de Emma Watson, relutar em comprar uma peça do tecido para fazer um vestido (o que reforça a sua diferença social). Em outros momentos Gerwig opta pelo movimento, fundindo o andar de uma personagem em um momento ao dela mesma noutro. Cinema, com toda sua potência e delicadeza, em estado puro.

Este texto foi escrito por Luiz Gustavo Vilela Teixeira via nexpert.

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