O que esperar do Oscar 2020
Entra ano, sai ano, voltamos para o mesmo dilema. Devemos levar a sério o Oscar? Aqui no Brasil, acostumados que estamos a levar a lógica de torcida para outras esferas que não a do futebol, acabamos torcendo, primeiro, para que um filme brasileiro leve a estatueta e, segundo, que nossos filmes favoritos vençam.
Duas coisas são importantes quando pensamos no Oscar, que são sua importância e qualquer senso de justiça. Para os filmes indicados e finalmente premiados ele é bem importante. As bilheterias costumam subir um bocado, já que as pessoas querem concordar ou discordar da Academia – neste ano, segundo o Deadline, um filme como 1917, de Sam Mendes, chegou a ter sua bilheteria ampliada em 192%.
Isso pode ser crucial para um drama feminista ambientado no século XIX dirigido por uma mulher, como é o caso de Adoráveis Mulheres, de Greta Gerwig, ou para um drama social sul-coreano como Parasita, de Bong Joon-ho. Há outro motivo que faz a Academia ser importante, todavia.
Há um trabalho duro envolvendo a preservação, restauração e redistribuição de filmes clássicos, além de literatura técnica e teórica sobre cinema. E não apenas filmes americanos. Se temos empresas como a Criterion Collection, nos EUA, ou a Versátil, no Brasil, que fazem reedições caprichadas das obras de diretores como John Ford, Akira Kurosawa e Alfred Hitchcock, para ficar nos mais famosos, é, em parte, responsabilidade da Academia.
Sua maior fonte de renda é justamente a noite do Oscar, que segue muito assistida mundo afora, revertendo em royalties toda essa audiência. Por mais brega e injusto que seja, ainda cumpre um papel muito maior do que servir de tapinha nas costas para os chefes dos estúdios.
A questão da justiça, por outro lado, envolve o método de votação. No momento da escolha dos indicados, cada integrante escolhe os cinco melhores filmes em relação a sua própria categoria e, em outra lista, os nove gerais. Diretores votam em diretores, atrizes em atrizes, roteiristas em roteiristas e assim por diante.
Para eleger os vencedores, porém, todo mundo vota em todo mundo com uma escala de preferência, o que termina por privilegiar os trabalhos mais medíocres, como Green Book (que apesar de controverso, levou uma estatueta no ano passado), ou com melhor lobby, como Gwyneth Paltrow quando venceu por Shakespeare Apaixonado, de John Madden. Ou, como é comum ouvir de críticos quando discutem o Oscar, vence o menos odiado.
Cinema: 2019 foi um ano bom
Diferente de outros anos, em que os cinéfilos precisam se esforçar muito para encontrar títulos interessantes, 2019 foi um ano com grandes filmes. Alguns deles estão na escolha do Oscar, como O Irlandês, de Martin Scorsese, ou Era Uma Vez... em Hollywood, de Quentin Tarantino, ou ainda o favorito do povo, Parasita.
Ainda assim, alguns filmes importantes, que terão um impacto profundo na cultura pop nos próximos anos, ficaram de fora. Por um lado, era de se esperar por causa do método de seleção da Academia. Por outro, é absurdo que alguns trabalhos não tenham chegado à premiação.
As exclusões que parecem mais criminosas é a de Nós, de Jordan Peele, O Farol, de Robert Eggers, e Joias Brutas, dos irmãos Benny e Josh Safdie. Três dos melhores filmes do ano, por qualquer ângulo. Isso também vale para os protagonistas dos filmes.
Lupita Nyong'o, em Nós, incorpora duas personagens que são tão opostas quanto similares em um trabalho que parece sobrenatural de tão delicado e preciso. Em Joias Brutas, Adam Sandler usa a loucura contida por trás de sua falsa afabilidade ao desenvolver um homem viciado em apostas, gerando desconforto em um dos mais intensos filmes dos últimos anos. E, se formos justos, Robert Pattinson e Willem Dafoe (O Farol) talvez pudessem ser indicados também no lugar de interpretações mais convencionais.
Ao invés destes dois filmes, vemos algumas obras francamente medíocres serem celebradas – o que, como já deve ter ficado claro até esse momento, é comum nos filmes da premiação. As grandes ofensas são a dupla indicação de Scarlet Johansson, por Jojo Rabbit, de Taika Waititi, e História de um Casamento, de Noah Baumbach, e a de Renée Zellweger por Judy: Muito Além do Arco-Íris, de Rupert Goold, além de qualquer indicação para O Escândalo, de Jay Roach. Não são filmes ruins, exatamente – especialmente História de um Casamento, que é um trabalho inclusive acima da média. Mas perto de Nós, O Farol e Joias Brutas, não causam nenhum grande impacto.
Como vai ser o Oscar 2020
Mas e o Oscar 2020, propriamente dito? Vamos a ele. Convenhamos, a maioria das pessoas têm um interesse apenas marginal nas categorias mais técnicas, como Design de Som, Figurino ou Edição. Então vamos focar aqui apenas nas principais disputas, além de, evidentemente, Melhor Documentário, considerando que temos uma representante brasileira na jogada (vide primeiro parágrafo). Inclusive, comecemos por ele.
O indicado brasileiro para melhor documentário é Democracia em Vertigem, produção da Netflix dirigida por Petra Costa. Ela já vem acumulando elogios da crítica especializada e do público interessado em seus outros trabalhos. Sua mais recente obra acompanha a política brasileira desde o impeachment de Dilma Rousseff até a eleição de Jair Bolsonaro, tudo por uma ótica muito pessoal e personalista, como seus filmes em geral são.
Há alguma chance de vitória, mas há dois fortes competidores, já que a temática concorrente de The Cave, de Feras Fayyad, Kirstine Barfod e Sigrid Dyekjær, e Por Zama, de Waad al-Kateab e Edward Watts, ambos sobre a guerra na Síria, talvez impeçam um ao outro.
Os concorrentes reais de Democracia em Vertigem são American Factory, dirigido por Steven Bognar, Julia Reichert e Jeff Reichert, e Honeyland, de Ljubo Stefanov, Tamara Kotevska e Atanas Georgiev. O primeiro, também produção da Netflix, mostra uma inversão capitalista, com uma empresa chinesa abrindo uma fábrica no coração dos EUA, levando a um choque de cultura. O segundo, com uma temática mais delicada, acompanha duas famílias vizinhas da Macedônia do Norte que disputam o mercado de criação de abelhas. Honeyland também já vem das vitórias no Festival de Cinema de Sundance, o que costuma incentivar os votantes.
Roteiro Original parece um páreo duro, mas podemos excluir dois logo de cara. Entre Facas e Segredos, de Rian Johnson, e 1917, de Sam Mendes. O primeiro, apesar de brilhante, parece simplista, o que o desqualifica. O segundo tem a trama construída em torno do plano-sequência único, o que reduz seus méritos diante dos votantes. História de um Casamento, apesar dos diálogos bem construídos, parece melodramático demais para a Academia (uma besteira).
Tarantino, apesar de ter feito uma grande homenagem à Hollywood, é uma personalidade difícil e deve sair de mãos abanando. A aposta certeira é Parasita, que deve servir como prêmio de consolação para Joon-ho, junto do de melhor Filme Estrangeiro – já que ele não deverá vencer os merecidos Melhor Diretor e Melhor Filme.
Em relação aos Roteiros Adaptados, quem mereceria é Greta Gerwig pelo seu impecável trabalho com Adoráveis Mulheres, um livro que já ganhou uma dezena de adaptações para o audiovisual e que, ainda assim, soa novo e atual nesta versão.
O Sindicato dos Roteiristas deu o prêmio para Jojo Rabbit, o que deverá se manter no Oscar, tornando Gerwig duplamente injustiçada (a outra por não ter sido nem mesmo indicada como diretora). O azarão aqui é Steven Zaillian, de O Irlandês, o que não seria nenhum grande problema, já que o filme é impecável.
Entre as atrizes, quem deve vencer é Zellweger, não apenas pelo histórico nas outras premiações, mas também por ser um papel homenageando Judy Garland, uma das musas da Hollywood romântica e com um discurso feminista o suficiente para não incomodar e fazer todo mundo se sentir bem. As outras não devem ter chance.
Já entre as coadjuvantes, também pelas outras premiações, quem deve levar é Laura Dern, pelo seu papel em História de um Casamento. Além disso, há um consenso de que ela é uma das grandes atrizes de seu tempo e que não vinha sendo muito reconhecida.
Entre os atores, a barbada deve ficar com Joaquin Phoenix pelo seu trabalho como Coringa no filme que leva o mesmo nome. Ele vem recebendo todos os prêmios da temporada e os votantes da Academia costumam gostar muito dessas dolorosas transformações físicas. Uma pena para Antonio Banderas, que está muito acima de sua média – e da dos demais competidores – em Dor e Glória, de Pedro Almodóvar.
Entre os coadjuvantes, a temporada vem premiando Brad Pitt pelo seu trabalho em Era Uma Vez... em Hollywood. O Oscar não deve fazer diferente, considerando que o ator vem vendendo com sucesso uma imagem de bom moço.
O que deve acontecer com a categoria de Melhor Diretor é Bom Joon-ho vencer como uma espécie de prêmio de consolação por Parasita, que não deverá vencer Melhor Filme.
Quem pode roubar isso dele é Mendes, por 1917, que tem tudo para levar Melhor Filme também, ou Scorsese, mas a Academia tende a achar que ele já venceu o suficiente quando levou por Os Infiltrados. A única injustiça seria a vitória de Todd Phillips por Coringa, um filme menor com um trabalho de direção frouxo.
Como adiantado acima, 1917 deve ficar com melhor filme. Não apenas pela sequência de vitórias na maioria das premiações, como também pelo fator “menos odiado”.
É um filme inofensivo, no sentido de apresentar muito pouco de novidade em relação ao seu tema, da Primeira Grande Guerra, e com ares de sofisticação com o truque de ter sido filmado em uma única tomada.
Quem deveria ganhar, se o Oscar 2020 fosse uma premiação mais justa, seria Parasita, O Irlandês, Era Uma Vez em... Hollywood ou Adoráveis Mulheres. Os outros só estão ali para ocupar espaço mesmo.
E você, o que acha que acontecerá no Oscar 2020?
Texto escrito por Luiz Gustavo Vilela Teixeira via Nexperts.
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