O Poço: egoísmo em tempos de paranoia social (CRÍTICA)
Em tempos de pandemia e confinamento domiciliar, o consumo de conteúdo via streaming mais do que triplicou. Por sorte, dispomos de uma infinidade de serviços abarrotados de novidades para nos entreter daqui até sabe Deus quando.
Dentre as estreias, na sexta-feira passada (20) fomos contemplados com o longa O Poço, um verdadeiro achado da Netflix que, de forma coincidente, diz muito sobre o que a sociedade vivencia em um momento tão delicado e alarmante.
A produção espanhola traz uma proposta simples, distópica e intensa: uma prisão onde detentos agrupados em celas verticalizadas devem sobreviver à fome e à loucura. A distribuição de refeições é feita de forma decrescente, isto é, quem está alocado nos níveis superiores pode se esbanjar muito mais do que encarcerados de níveis mais baixos.
Aí vem o ponto de interrogação: até que ponto chega o egoísmo? O fundo desse poço é cavado pelo diretor Galder Gaztelu-Urrutia, que também se envolveu nas produções dos curtas La Casa del Lago e Las Horas Muertas.
É impressionante como Gaztelu-Urrutia consegue fazer (me perdoem pelo chavão) “mais com menos”, pois cada cela é um universo, cada detento é uma história de vida, cada refeição é um falso alento. Não existe complexidades estéticas, a não ser os detalhes e a forte mensagem que vem para ensinar.
O cenário claustrofóbico e obscuro fomenta o que há de pior e melhor no ser humano. Enquanto uns se fartam de comer — como se não houvesse amanhã —, outros racionam em prol do próximo. Impossível não relacionar com o que é visto atualmente em mercados, farmácias e comércio em geral. Pessoas em seu puro estado de avareza e paranoia, estocando mantimentos, máscaras de rosto, álcool em gel, produtos essenciais de higiene e todo o tipo de item que venha a fazer falta a quem mais necessite, gerando um estado mórbido de desigualdade e sandice.
Vale pontuar que o gore é recorrente na violência, na repulsividade de cada refeição, nas relações que beiram a selvageria. Tudo impacta e dá lição.
O elenco, irretocável, apresenta um Goreng (Iván Massagué) idealista e indulgente, logo corrompido por um espaço que tem a desumanidade como palavra de ordem (ou desordem, não é mesmo?). Sua desconstrução é estimulada pela ‘óbvia’ senioridade tenebrosa de Trimagasi (Zorion Eguileor).
Na contramão, a benevolência e equidade de Imoguiri (Antonia San Juan) é capaz de conservar o que sobrou de complacência no protagonista, reforçada, em partes, pelo companheirismo extasiante do carismático Baharat (Emilio Buacle), além da presença da visceral Miharu (Alexandra Masangkay), cujo o objetivo é encontrar seu filho em meio ao caos coletivo.
O Poço apresenta, de forma contundente e magistral — mesmo sob arranjo simplista — , desigualdade, ganância e o extremo individualismo que acomete a sociedade em um cenário onde deve-se, acima de tudo, priorizar o bem-estar de todos.
Uma mensagem primordial, impactante e reflexiva que tem (e deve) ser viralizada nos quatro cantos do globo até o fim da atual pandemia. Aliás, fique em casa e mantenha-se seguro.
Texto escrito por Fabrício Calixto de Oliveira via Nexperts.
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