Situação hipotética: a Rockstar acaba de anunciar que está com um novo projeto em mãos e que depende dos jogadores para concluí-lo. Você compraria? Tenho certeza de que muitos aqui nem sequer titubeariam para dizer sim. No entanto, por quê?
A resposta parece ser bem simples. Ao longo dos últimos anos, o estúdio conquistou a confiança do público com bons títulos a ponto de conseguir fazer com que a própria comunidade pudesse abraçar um conceito de jogo ainda abstrato para fazê-lo sair do papel.
Ok, sabemos que as chances de isso acontecer são praticamente nulas, mas o exemplo serve para entendermos como funciona o processo de compra de um game. Nós só nos empolgamos com um anúncio, acompanhamos suas novidades e nos deslocamos até uma loja para adquirir o produto porque nós acreditamos no potencial de uma ideia — algo que acontece seja por conta do histórico de seus realizadores ou pelo simples fato de as imagens e vídeos de divulgação nos “fisgarem” de alguma forma.
No entanto, até que ponto vai esse voto de confiança? Por mais que você acredite no trabalho de uma produtora, você ainda a acompanharia mesmo se ela decidisse lançar um jogo ainda em desenvolvimento? Digamos que GTA V saísse amanhã, mas com vários recursos ainda pela metade e com problemas que só serão consertados futuramente: ele ainda seria tão grandioso quanto você espera?
O pontapé inicialComprando jogos, abraçando ideiasComprar um jogo que ainda nem foi terminado pode parecer uma ideia absurda, mas que muitos já fazem sem perceber. Afinal, o que é participar da pré-venda de um game se não pagar por algo que ainda não foi finalizado? É claro que, nesse caso, trata-se muito mais de antecipar sua compra da versão finalizada, mas a ideia de confiança naquele trabalho ainda é a mesma.
No entanto, alguns casos vão muito além disso. Quem não se lembra do fenômeno Minecraft, que vendeu milhões de cópias em todo o mundo antes mesmo de ser lançado? Seu criador, Markus “Notch” Persson, não era conhecido dentro da indústria de jogos, mas a ideia por trás do game era tão diferente que muita gente investiu nela, viabilizando sua produção.
Mas por que diabos alguém compraria um game que ainda nem foi finalizado? Voltando ao exemplo de GTA, imagine que você tem acesso a todas as áreas do mapa, mas só consegue roubar alguns carros e só poder usar um tipo de arma. Como isso pode ser interessante?
No caso de Minecraft, o segredo estava exatamente nas constantes atualizações que adicionavam novos recursos que expandiam as possibilidades daquele universo cúbico. Com isso, o jogador adquire o que funciona como o núcleo do game, que vai ganhando novas camadas de funcionalidades a cada update até chegar àquilo que será a versão final.
Pode ser estranho encarar essa compra de um produto ainda inacabado, mas basta olhar o sucesso incontestável dos blocos de Notch para perceber que esse formato funciona e que há muita gente interessada em fazer parte do processo de “evolução” de um game. Já que toda a relação de confiança citada no início desse texto ainda inexiste, o que vai atrair o público para o conceito é exatamente a experiência de participar de um processo quase que colaborativo de desenvolvimento.
Isso é bem claro em outro sucesso dos PCs: The War Z. O MMO com temática zumbi segue um caminho bem semelhante ao trilhado por Minecraft, ou seja, o game já está sendo vendido ainda em fase Alpha e os jogadores acompanham toda a expansão daquele universo a partir das constantes atualizações.
A explosão do Kickstarter
Mas essa ideia de abraçar uma ideia antes mesmo de ela sair do papel não é tão nova assim e nem tão desconhecida. Basta lembrar a quantidade de projetos do Kickstarter que ganharam o apoio da comunidade para perceber que as pessoas realmente estão dispostas a dar esse voto de confiança.
A plataforma de capitação de recursos é uma das referências nessa tendência de “vender conceitos" para torná-los em realidade. Para tirar alguma ideia do papel, muita gente faz essa espécie de pré-compra para ajudar no desenvolvimento e na criação do produto. Quem não se lembra do Ouya, o console que código aberto que funciona a partir do sistema Android?
O ponto é que até mesmo grandes produtoras estão adotando esse formato “colaborativo”, aproveitando-se da empolgação de seus consumidores para trazer um título fora dos domínios de distribuidoras. A Obsidian, por exemplo, está usando essa ferramenta para concluir o desenvolvimento de seu Project Eternity — e teve muito sucesso nisso.
Parte do projeto de Tim Schafer (Fonte da imagem: Reprodução/Kickstarter)
Tim Schafer é outro nome importante da indústria que abandonou o formato tradicional de jogos lançados por publishers para apostar em algo mais independente e com o apoio dos jogadores. E bastou ele apresentar a ideia de um adventure como aqueles que o colocaram como figura de destaque no mercado — Grim Fandango e Day of the Tentacle, por exemplo — para que muita gente comprasse a ideia sem nem saber como seria o game em si.
O lado das empresasA ameaça corporativaDiante de tudo isso, você deve estar achando que lançar um jogo ainda em fase de desenvolvimento pode se tornar uma prática quase universal e adotada por muitas outras empresas, não é mesmo? Pois saiba que, se alguma grande distribuidora seguir essa fórmula, certamente ela estará fadada ao fracasso. Mas por quê?
Voltando ao exemplo inicial deste texto: o que você faria ao ver que GTA V foi lançado alguns meses antes do planejado, mas oficialmente incompleto? Sabemos que novas atualizações estão previstas para o futuro, mas isso é o suficiente para satisfazer todas as nossas expectativas?
Isso certamente iria dividir opiniões. Para muita gente, o importante é realmente se divertir o quanto antes, mesmo com alguns recursos a menos. Além disso, esse processo de participação também permite ao jogador acompanhar as diversas fases de produção de seu jogo favorito — o que pode influenciar toda sua experiência. Imagine como pode ser interessante ver a Los Santos toda limitada ganhando forma a cada novo update até se tornar no monstro que estará disponível na versão final.
Por outro lado, há toda a relação de compra que pode frustrar muitos jogadores. Por mais que alguns consumidores abracem a causa e ajudem a construir o game desde sua fase Alpha, muita gente vai se sentir frustrada ao ver o aguardado título ser lançado pela metade e repleto de problemas. Afinal, você pagou por aquilo, então nada mais normal do que esperar algo decente, não é mesmo?
Tim Schafer tentando negociar com alguma desenvolvedora (Fonte da imagem: Reprodução/Kickstarter)
Mesmo que você saiba que aquilo é apenas uma parte do que está por vir, a sensação de que você comprou algo pela metade é muito maior, principalmente quando conhecemos o trabalho de quem está envolvido. Se tivéssemos um GTA superlimitado e sem a liberdade característica, certamente iríamos reclamar pelo simples fato de que sabemos que a Rockstar é capaz de ir muito além disso.
Outro problema de comprar um game quando ele ainda está em desenvolvimento são as chamadas expansões programadas. Isso já acontece com os famigerados DLCs — quem nunca xingou uma empresa ao ver que determinado título ia receber um conteúdo extra antes mesmo de seu lançamento? —, mas pode se tornar algo pior caso não tenhamos um produto devidamente finalizado.
Sabe aquela função de pulo que seria tão útil para seu personagem? Pois ela será adicionada futuramente para aqueles jogadores que adquiriram o formato Premium do Alpha ou para quem está disposto a pagar mais alguns dólares por isso.
Pode parecer um absurdo, mas não é difícil imaginar que, se esse formato realmente se popularizar, as grandes empresas vão adotar estratégias semelhantes. Se elas já fazem isso com DLCs, por que não com um novo formato?
O que esperar do futuro?
É claro que tudo isso não passa de especulação, pois são poucas as desenvolvedoras que realmente apostam nesse formato. Por mais que esse tipo de iniciativa esteja em crescimento na era da distribuição digital, ainda é muito cedo para tentar prever como as grandes empresas vão se adaptar a isso — se é que vão adotar esse tipo de estratégia em seus lançamentos.
De uma forma ou de outra, o importante é que bons games continuem chegado aos consoles. Não importa se por meio de uma produção mais colaborativa ou no formato tradicional, o que queremos são bons jogos.