Um gênio da tecnologia, um líder severo e muitas vezes cruel, um empreendedor irresistível, um pai frio e ausente. Qual dessas facetas melhor descreve Steve Jobs? O jovem que transformou o mundo com a criação do conceito de aparelhos que atualmente estão incrustados em nosso cotidiano, morreu na batalha contra o câncer — talvez tempo suficiente para se redimir com todos, com a vida. Com a filha. E Lisa Jobs, quem diria, tenta fazer isso agora: por ela, pela mãe. Pelo próprio pai.
Quanto mais perto eu estava dele, menos me envergonhava, diz Lisa
A autobiografia “Small Fry — A Memoir” acaba de ser lançado nos Estados Unidos e traz uma apanhado de memórias dos momentos mais difíceis, tristes e — por que não? — felizes da “filha do Steve Jobs”, que nunca fez questão de estar associada ao pai, mesmo quando isso era tudo o que ela mais desejava no mundo. “Quanto mais perto eu estava dele, menos me envergonhava. Eu me aproximava da luz.”
Steve Jobs conheceu Chrisann Brennan aos 17 anos, em 1972, quando ele ainda era um adolescente rebelde usuário de drogas e altas doses de álcool. Ela foi sua primeira namorada e passou um bom tempo ao seu lado. Entre idas e vindas, Lisa nasceu em 1978. Steve ignorou-a, assim como Chrisann, que precisou de ajuda de familiares e conhecidos para cuidar da filha.
Lisa e Steve brincando no pula-pula
Anos depois, Lisa, já uma criança que compreendia melhor o que era ser abandonada pelo pai, disse se lembrar de como era ser filha de um gênio que não a assumiu e ainda exigiu um teste de DNA para comprovar sua paternidade. Nessa época, Steve já se tornava aos poucos o grande nome que o mundo viria a conhecer futuramente, enquanto ainda tinha uma relação um tanto quanto complicada com a Apple.
“Agora vejo que estávamos em uma encruzilhada. Eu era uma mancha em sua espetacular ascensão, já que a nossa história não se encaixava com a narrativa de grandeza e virtude que ele queria para si mesmo.”
Adolescência fria
Lisa cresceu com muitas dificuldades, assim como sua mãe, e recorda de ter estudado graças à ajuda financeira dos vizinhos, que chegaram a acolhê-la em suas casas, preocupados com sua situação. Um dos primeiros computadores de Steve tinha o nome de Lisa. E, mesmo assim, ele nunca relacionou com aquele pequeno bebê que nasceu em uma fazenda do Oregon.
‘Small Fry’ seria a busca por um alívio para a vergonha que Lisa sentiu quando criança
Talvez para tentar amenizar as coisas, Steve e sua mulher Lauren Powell Jobs, chegaram a receber Lisa em sua adolescência, na casa deles. Lisa se lembra de alguns momentos um tanto quanto estranhos e perturbadores. Em suas memórias, ela recorda de um casal frio e que se sentia muito sozinha, sonhando com a noite em que eles lhe dissessem simplesmente “boa noite”.
Em um dos momentos mais esquisitos, ela descreve como o pai a obrigou a estar presente enquanto beijava e gemia ao tocar a esposa. “É importante que você tente fazer parte deste momento familiar”, disse Steve.
Chrisann Brennan e a filha Lisa, no começo dos anos 90
Ainda que os relatos do livro abordem toda a crueldade de um gênio em formação, eles também isentam um pouco da culpa de Steve, a quem Lisa se refere como “desajeitado”, por não conseguir se expressar das formas mais adequadas tudo o que se passava em seu coração. Lisa afirma que passou um bom tempo com medo do pai, mas insiste em dizer que não quer condená-lo.
“Small Fry” seria a busca por um alívio para a vergonha que sentiu quando criança. No livro, ela diz que o pai lhe pediu perdão antes de morrer, por não ter passado mais tempo com ela, por esquecer o aniversário dela e por não retornar as ligações.
Repercussão entre outros parentes
Muitas pessoas próximas de Steve não veem o livro com bons olhos e enxergam uma visão diferente dessa mesma história — familiares dizem ter lido as palavras de Lisa “com tristeza”. A irmã de Steve, Mona Simpson, diz que os relatos “diferem dramaticamente” de suas lembranças. “O retrato (do livro) não é o do marido e do pai que conhecemos. Ele a amava e se arrependeu por não ter sido o pai que deveria ter sido em sua infância.”
A viúva, Lauren Powell-Jobs, também criticou o filme escrito por Aaron Sorkin e dirigido por Danny Boyle, dizendo que o longa trata Lisa “como uma heroína”. Já a mãe de Lisa, Chrisann Brennan, disse que a filha “não contou todas as coisas ruins” e que não se sentia à vontade de deixá-la com o pai. Ao falar mais sobre “Small Fry”, ela conclui: “eu sofri ao ler”.
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