A internet é feita de manias e virais que surgem e, muitas vezes, vão embora pouco tempo depois, sem deixar saudade. Quando falamos de aplicativos e sites para troca de mensagens e conversas anônimas, porém, é possível afirmar que mudam os nomes, mas o cerne da coisa permanece basicamente intocável a cada nova ferramenta do gênero.
A mais recente novidade nesse aspecto é o Sarahah, serviço que permite enviar e receber feedbacks anônimos. Você cria uma conta e então amigos e conhecidos podem deixar um recado privado em seu perfil, sempre mantendo em segredo a identidade de quem comenta. O app chamou a atenção de muita gente, gerou polêmica e levantou novamente a seguinte questão: por que ainda usamos aplicativos de mensagens anônimas?
Não é difícil imaginar como esse tipo de espaço pode se tornar altamente tóxico ao nos colocar em contato com opiniões ruins a nosso respeito, sejam elas verdadeiras ou não. Assim, o TecMundo conversou com dois profissionais a fim de tentar entender um pouco mais a razão por trás do interesse por serviços desse tipo.
Atenção, reforçadores sociais e curiosidade
Na condição de indivíduos coletivos, os reforçadores sociais desempenham um papel determinante na utilização de plataformas virtuais como redes sociais ou apps anônimos. “Por mais que cada indivíduo precise encontrar algo pessoal que o mantenha participando de uma ferramenta como o Sarahah, muitas vezes, uma grande parte do uso está ligada aos colegas da escola que fazem uso ou aos amigos do trabalho que recém-descobriram a ferramenta”, comenta o psicólogo Murilo Cesar Soares Souza.
Outra característica tipicamente humana é a necessidade de atenção, seja ela exagerada ou não. Essa, então, acaba sendo a raiz do interesse por esse tipo de ferramenta; afinal, tal qual nas redes sociais, os apps como o Sarahah nos permitem saber o que outras pessoas pensam sobre nós, mesmo que sob a condição de anonimato.
Sarahah é a nova febre do momento
“Alguns pesquisadores afirmam que a atenção positiva deve ser considerada uma necessidade básica humana. Afirmar isso é colocar a atenção no mesmo patamar que o sono, por exemplo, e essa atenção pode ser obtida de diferentes formas em nossa vida”, aponta Souza. “Essas ferramentas possibilitam uma atenção focal e exclusiva sobre o indivíduo que pode ser sentida como muito prazerosa por muitas pessoas.”
Para a psicóloga Vitória Baldissera, as redes sociais e mesmo os aplicativos anônimos funcionam como “instrumentos que nos dão acesso à atenção instantaneamente, como os likes e as mensagens — anônimas ou não”. Ou seja, lançar mão desse tipo de recurso é uma forma rápida e fácil de obter essas recompensas.
Além disso, não se pode anular a possibilidade de que tudo não passe de curiosidade sobre o que as pessoas pensam a seu respeito também seja um combustível para esse tipo de interesse. “De forma bastante grosseira, poderíamos definir como curiosidade, mas entendendo aqui que essa curiosidade nada mais é do que uma tentativa de extrair algo que faça eu me sentir bem com tudo isso”, defende Souza.
Anonimato: amigo ou inimigo?
Ponto crucial dessa experiência, o anonimato nem sempre é um aliado, mesmo quando a mensagem é positiva. “Pela minha experiência clínica, ele sempre pode gerar ansiedade em quem recebe”, comenta Baldissera. “Se for um recado positivo, o destinatário se angustia por não saber quem mandou, porque não disse quem é. Se for negativo, além de imaginar quem mandou, surge o medo de o remetente continuar ou se há chances de agressões acontecerem na vida real.”
Contudo, se os recados anônimos podem causar ansiedade, eles também tendem a perder o sentido rapidamente. “Trabalhar com questões anônimas se torna mais fácil na medida em que toda a carga emocional atrelada ao histórico ligado à pessoa específica fica em suspenso em função do anonimato”, defende Murilo Souza. “É bastante fácil imaginar quão diferente é receber um feedback negativo de um ente querido ou de um amigo próximo e de um completo estranho”, afirma.
O anonimato nem sempre é um aliado, mesmo quando a mensagem é positiva
O cuidado com a autoestima
Apesar do rápido esvaziamento de significado, os cuidados com a exposição nesse tipo de ferramenta precisam estar sempre presentes. “A nossa autoestima, não importa quão alta seja, depende de fatores externos para continuar elevada ou diminuir, como ir bem em uma prova ou perder o emprego”, comenta Vitória Baldissera. “E é nesse sentido que o Sarahah pode ser prejudicial, caso seja utilizado como uma forma de cyberbullying.”
Nesse sentido, condições anteriores nas pessoas podem transformar situações simples em problemas mais graves. “Muitas vezes, questões aparentemente inofensivas se tornam bastante sensíveis em função do histórico individual de cada um”, afirma Souza. “Se existe algum tipo de insegurança pré-existentes sobre ela, a reafirmação sistemática por parte de estranhos ou indivíduos não identificados pode vir a agravar essa condição.”
Em suma, é difícil cravar a razão exata pela qual as pessoas fazem uso de ferramentas anônimas. Necessidade de aprovação, busca por atenção ou apenas curiosidade, o fato é que dificilmente esse tipo de aplicativo será extinto da internet. E é bem provável que, em breve, outra novidade venha tomar o lugar do Sarahah.
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